A festa é para todas
por Bruno CarmeloÀ primeira vista, esta comédia parece explorar o imaginário ultracodificado das escolas norte-americanas, com as brigas nos corredores sobre o fundo de armários metálicos, a rixa entre nerds, populares, artistas e skatistas, a preocupação em perder a virgindade na noite de formatura, a pressão para entrar numa boa universidade. Molly (Beanie Feldstein), garota gordinha, feminista convicta e presidente da turma, e sua melhor amiga Amy (Kaitlyn Dever), lésbica assumida, poderiam corresponder à representação perfeita das figuras marginalizadas neste sistema de castas que domina a competitiva estrutura de ensino no país.
No entanto, ao invés de aprenderem a assimilar as normas (como provavelmente aconteceria no cinema pré-anos 1990) ou ignorá-las e assumirem o orgulho de serem freaks (como aconteceria no cinema dos anos 1990 em diante), as garotas encontram um caminho mais interessante, e menos polarizado, para a entrada à vida adulta. Ao invés de modificar as garotas para se encaixarem na maioria (ou se definirem em relação a esta, por exclusão), o roteiro prefere alterar a sociedade para acomodar individualidades cada vez mais complexas. As panelinhas ainda existem, as pressões continuam presentes, porém os limites se tornam porosos: o rico Jared (Skyler Gisondo) não tem amigos por tentar agradar o tempo inteiro, Triple A (Molly Gordon) é ao mesmo tempo a garota mais desejada e uma menina esperta o suficiente para entrar nas universidades prestigiosas, George (Noah Galvin), gay assumido, provoca os colegas tanto quanto é provocado, e Nick (Mason Gooding), o garoto mais cobiçado pelas meninas, não constitui um ídolo esportivo.
Ao retirar o aspecto excludente dos círculos sociais, extingue-se a noção de vítimas e agressores: nesta sala de aula, todos caçoam uns dos outros, mas permanecem lado a lado. É possível encontrá-los nas mesmas festas, ainda que em cantos diferentes da casa. Consequentemente, Molly e Amy ocupam uma posição intermediária entre o centro da turma e a margem, como todos os outros: Molly é tida como arrogante e feia, mas os garotos dizem que transariam com ela, e ela foi eleita ao cargo de presidenta; Amy pode se sentir deslocada, até descobrir outras garotas cujas imagens, corpos e sexualidades são muito mais fluidos do que os seus. Como principal aprendizado, descobrem que estudar e festejar não são incompatíveis, e que seria possível, ou ainda desejável, explorar ambos. Fora de Série navega por uma sociedade em processo de ressignificação de aparências e valores, deixando a geração anterior um tanto confusa – vide o painel tragicômico de pais e professores bem intencionados, porém perdidos.
O resultado se sustenta principalmente pela qualidade do texto e dos diálogos. Além de contar com um elenco cômico excepcional, o filme traz uma série de cenas estruturadas como esquetes, com direito a tiradas hilárias sobre drogas e sexualidade. Do começo ao fim, a narrativa jamais perde ao fôlego enquanto posterga a chegada à festa através de diferentes imprevistos durante a noite. Cenas envolvendo um karaokê, um entregador de pizza, um urso panda e um cruzeiro se revelam hilárias, dotadas de impecável timing cômico. Ao mesmo tempo, o roteiro consegue apresentar satisfatoriamente cerca de vinte personagens marcantes, algo nada fácil em termos de tom e estrutura. O mosaico de jovens e adultos soa impressionantemente coeso pela velocidade das falas sarcásticas – vide a primeira e última cenas, cujos cortes abruptos da montagem contribuem a reforçar sua intensidade.
No que diz respeito à construção estética, Olivia Wilde elabora a maior parte de suas imagens com uma linguagem convencional, baseada direito a muitos planos e contraplanos e close-ups no rosto das atrizes principais, algo que poderia se tornar ainda mais potente caso a cineasta demonstrasse maior ambição. Mesmo assim, alguns elementos se destacam, como o uso da luz natural e a textura um pouco granulada, além de cenas destinadas romper expectativas, a exemplo da esquete animada, do interlúdio musical e da cena dramática na piscina. A diretora propõe uma obra de aparência modesta, porém com um refinamento considerável em temos de ritmo e construção de personagens.
Por fim, Molly e Amy (e Gigi, e Jared, e Nick, e Theo, e Triple A, e George, e Alan) tornam-se figuras memoráveis e idiossincráticas dentro de um filme cujas qualidades de crônica de uma época e de representação da sororidade revelam-se tão verossímeis quanto ousadas. Fora de Série conquista um espaço entre as comédias definidoras de suas gerações, como 10 Coisas que Eu Odeio em Você e Meninas Malvadas. Os grandes estúdios têm muito a aprender com produções deste nível: quem diria que a união entre uma diretora mulher, quatro roteiristas mulheres e três produtoras mulheres poderia resultar num ótimo filme sobre mulheres?