Dignidade no Caos
por Francisco RussoHá momentos na vida em que tudo muda sem aviso prévio. O que parecia estável se desestrutura por completo graças a um evento inesperado, daqueles que servem para testar os limites. Os Descendentes, novo filme dirigido por Alexander Payne, usa diálogos inspirados para apresentar este período onde não há muita consciência sobre a melhor forma de agir mas, ao mesmo tempo, aflora a verdadeira essência do atingido. É no meio da crise que pode-se conhecer melhor quem é quem.
Matt King (George Clooney) é o personagem principal. Ele leva uma vida boa. Casado, pai de duas filhas, mora no Havaí, emprego estável como advogado e uma boa quantia no banco, mérito de anos de trabalho e uma herança de família. Entretanto, há 23 dias sua vida mudou. Sua esposa Elizabeth sofreu um grave acidente e está em coma. Matt agora precisa lidar com Scottie (Amara Miller) e Alexandra (Shailene Woodley), suas filhas, com quem não tem a menor afinidade. Pior, elas não o respeitam como ele gostaria. A situação piora ainda mais quando Alexandra dá ao pai a bomba definitiva: Elizabeth tinha um amante. Sem chão, Matt busca respostas. Descobre que não era apenas um caso e que ela pretendia pedir o divórcio. O mundo vem abaixo, mas a vida segue em frente. Afinal de contas, Matt tem uma esposa à beira da morte, uma importante decisão econômica que promete alterar a ilha em que vive e, mais importante ainda, duas filhas a criar.
O impressionante em Os Descendentes não é propriamente a forma como Matt vai à lona, mas como vai se recuperando aos poucos. Há uma abordagem essencialmente humana, no sentido de lidar com a dor do personagem ao invés de tentar eliminá-la usando soluções rápidas. Neste ponto muito ajuda a bela interpretação de Clooney, que se despe dos tradicionais cacoetes de galã para compor um personagem sem medo de revelar sua fragilidade. É ao se mostrar humano, com dúvidas e anseios, que Matt começa a trilhar o caminho da reconciliação – consigo mesmo e com as filhas.
Outro ponto que chama a atenção é a forma que Payne apresenta o Havaí. As praias paradisíacas, imagem imediata ao se pensar no local, ficaram praticamente de fora. O Havaí retratado é urbano, com engarrafamento e pobreza, como em qualquer cidade grande. As características peculiares surgem em palavras típicas do dialeto local, na trilha sonora repleta de canções havaianas e, na metade final, em belas paisagens. Esta apresentação pouco usual tem por objetivo servir ao roteiro, especialmente na subtrama envolvendo a possível venda de um imenso terreno herdado pela família de Matt – os descendentes do título. É também uma brincadeira de Payne com a imagem que o espectador já tem do Havaí, de forma a mostrar o outro lado de um cartão postal mundialmente conhecido.
Os Descendentes segue a tradição do diretor Alexander Payne, trazendo uma história humana que preza pela qualidade dos diálogos. É também um filme sobre a fragilidade humana, sob vários aspectos. Seja físico, através da iminência da morte de Elizabeth, ou emocional, com as adversidades enfrentadas por Matt, sempre com uma dignidade admirável. Destaque também para a jovem Shailene Woodley, que transmite à sua personagem uma força mesclada à raiva que chama a atenção. Muito bom.