Filme Gattaca e o determinismo genético
Num futuro não muito distante existe uma civilização baseada no mapa genético, no DNA e na manipulação do que são pessoas quase perfeitas. As pessoas são assim julgadas por constantes exames e pela probabilidade de terem doenças e imperfeições, o que estaria escrito em seus gens. Nesse ambiente os nascimentos são programados, e as existências fadadas a um sucesso determinado, sem contudo o efeito ser sempre o desejado. Nesse ambiente vive Vincent, que nasceu imperfeito, com miopia e expectativa de vida ede 30 anos, segundo seu mapa genético. Decepcionados, seus pais encomendam um outro filho, já assegurado pela tecnologia, o que em brincadeiras de natação sempre vencia o irmão, haja vista ser escolhido como mais forte, mais inteligente etc etc, pelo seu DNA, quando seus pais o manipularam na escolhas em geneticista.
Mas Vincent se supera e mesmo estando condenado como inválido, já desde o nascimento, recorre a espécie de mercado negro para se passar de sósia de um homem que era perfeito, Geromi, um nadador olímpico campeão que sofreu acidente e estava em cadeira de roda, ou melhor, tentou de suicidar. Assim Vincent entra para uma espécie de NASA que era seu sonho, passando-se por esse seu amigo, ainda tendo de se raspar e cortar pelos, haja vista constantes exames em todos os lugares que passa, usando de várias fraudes com urina de seu amigo e sangue, bem como lentes de contato. Sua amiga de trabalho, Irene desconfia do colega, e assim leva um pelo seu para exame e descobre ser esse Geromi, homem perfeito pela DNA, mas que na verdade é Vincent, o homem criado apenas por Deus, não pelo cientista humano. Mas nesse determinismo todo o Vincent estava condenado a ser faxineiro e inválido, a ser preso desde o nascimento, na detenção do preconceito humano.
O filme é um dos mais inteligentes que já vi. Discorre sobre o darwinismo e sobre uma série de filosofias, sem dizer, mas que transparece a quem vê o mesmo. Também está carregado de um psicologismo e mesmo de uma lição de superação, mostrando que o humano é perfeito, apesar das aparentes imperfeições. O ponto fulcral parece quando o protagonista sai e namora com Irene, que também, é imperfeita em seu DNA (mas muito bonita e loura...), de modo que este passa por apuros ao sair com ela, e entrega o jogo, sem contudo isso mexer no amor que esta sente por ele. Aqui vemos o Super Homem de Nietzsche, bem como um complexo de poder de Adler, e mesmo a trajetória de um Édipo de Freud. Por fim a libido prova que ele já é perfeito, e os exames não podem avaliar isso, mas a prática e a prova são os verdadeiros exames. Até o médico que fazia diariamente exames em Geromi ou Vincent, acabou por descobrir a fraude e tolerar, pois este tinha um filho programado e não agradou.
O filme demonstra um mundo bem perfeccionista e intolerante, não muito diferente de uma eugenia buscada nos anos 40. Não vejo com bons olhos essa busca, porque eu mesmo nasci já desacreditado, porque a enfermeira passou mal por semanas ao ver meu parto, e mesmo alguns diziam que eu não teria chance de sobreviver. Aqui estou, vivo e forte, ou um gênio indispensável, esse grande homem que sou, pelo menos no caráter que conheço e comprovo. Uso óculos e tenho astigmatismo, então já seria alguém rejeitado, sabe mais que problemas posso ter em meu DNA. Esse mundo de Gattaca ou me condenaria, ou me diria que estou destinado a ser um filósofo, e aí sim deveria cultuar o ser que está além de mim, que é Deus e veio em Jesus Cristo, antes de mim, que sou humilde servo e iniciado. Tive minhas dificuldades de saúde, com corpo raquítico na adolescência e fobias, bem como limitações emocionais pela timidez, mas nem por isso poderia ser tido por inválido, pelo meu DNA. Por fim tanto o Vincent imperfeito quanto o perfeito Geromi na cadeira de rodas vão para o espaço (ou para o céu, paraíso etc), e vemos que a salvação está destinada a todos que a busquem, estejam estes vestidos no corpo de rei ou de mendigo.
Mariano Soltys, autor do livro Filmes e filosofia)