Cartilha para fazer chorar
por Francisco RussoPegue uma história edificante, na qual o personagem principal precisa superar um punhado de adversidades, sempre com garra e respeito a todos ao redor. Espalhe à vontade a amizade por toda uma vida com um cachorro, daquelas inesquecíveis, com direito a doses fartas de memórias nostálgicas por parte do espectador. Salpique um quê filosófico, através de comparações entre a vida e o automobilismo com um fundo de autoajuda. Não deixe de adicionar um punhado de situações dramáticas, daquelas de apertar o coração por envolver ora uma criança, ora o tal cachorro. Após 109 minutos de cozimento o resultado é Meu Amigo Enzo, a nova receita de bolo a aportar nos cinemas com a promessa de que, em algum momento, te levará às lágrimas.
Brincadeiras a parte, é impressionante como a adaptação do livro "A Arte de Correr na Chuva", de Garth Stein, é formulaica. Partindo da premissa da tal amizade entre um piloto de corridas e o Enzo do título, o longa-metragem discorre sobre os altos e baixos da vida a partir do olhar do próprio cachorro, com direito a observações bem peculiares segundo a lógica canina. Tudo, é claro, temperado de forma a evitar maiores conflitos entre o cão e seu dono, por vezes até mesmo recorrendo a facilitadores de roteiro de forma a escapar de tais atritos - especialmente em relação ao nascimento do bebê, quem passou pela experiência sabe bem.
Ainda assim, é através do olhar de Enzo que o longa-metragem entrega seu melhor. Em vários momentos a câmera busca seguir o ângulo de visão do próprio cão, assim como é sua a perspectiva que narra a história, através da voz rouca de Kevin Costner - na versão original - em comentários espirituosos. Apenas no ato final, devido à impossibilidade de Enzo acompanhar presencialmente os acontecimentos, é que a voz de fala é transferida para seu dono, Denny Swift, interpretado pelo limitado Milo Ventimiglia.
Para os brasileiros, há ainda uma curiosa particularidade em relação à comparação do personagem principal com Ayrton Senna, graças à habilidade de ambos em corridas sob chuva. Por mais que o filme salpique aqui e ali cenas de corridas verídicas, e há referências ao automobilismo que farão a alegria dos fãs, no fim das contas o esporte serve mais como analogia à necessidade de assumir o controle de sua própria vida do que propriamente em apresentar seus bastidores. Ou seja, é mais conjuntura do que propriamente essência do longa-metragem.
Por mais que até seja correto no desenrolar de sua história, Meu Amigo Enzo peca bastante pelo tom esquemático de sua narrativa, que o deixa não só engessado mas também previsível. Também devido à equivocada decisão em iniciar o longa-metragem com uma cena de Enzo doente, precisando ser carregado pelo dono rumo ao veterinário, o que de imediato retira do espectador a surpresa diante de vários fatos que ainda estão por vir. Ao mesmo tempo, escancara de imediato o propósito deste filme: te fazer chorar, custe o que custar.