Acredito que quando o escritor Lewis Carroll (1832-1898) escreveu a sua obra clássica, ele pensou em tudo, menos num conto de fadas. No entanto, na maioria das adaptações para cinema e TV, como a da Disney (1951), Tim Burton (2010), etc., foca-se muito na atmosfera mágica, no aspecto gentil e palatável da história.
O cineasta e animador tcheco Jan Švankmajer (1934-) é considerado o maior nome do cinema surrealista da atualidade. A Viagem de Alice (ou simplesmente Alice), seu primeiro longa-metragem, parte do pressuposto um tanto "cruel" de desconstruir a história de Carroll; Do livro, Švankmajer segue apenas vagamente.
Ao reinventar criativamente cenas e situações, Švankmajer paradoxalmente resgata o espírito original da obra, a atmosfera ao mesmo tempo onírica e assombrada, a bem dizer hostil em determinados aspectos, coisa que na maioria das adaptações não existe. Aqui, os personagens da história são meros bonecos; o Coelho é, na verdade, um coelho empalhado que come a própria serragem que vaza de um rasgo no peito.
De iluminação escura, numa ambientação claustrofóbica, Kristýna Kohoutová (Alice) é a única humana cercada por brinquedos e objetos que ganham vida. Algumas cenas de humor e a graça das animações suavizam, por momentos, a mão pesada do diretor. Mesmo assim, o filme brilha pela originalidade, pela criatividade.