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    Onibaba, a Mulher Demônio
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    3,4
    4 notas
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    Ricardo L.
    Ricardo L.

    59.949 seguidores 2.818 críticas Seguir usuário

    4,0
    Enviada em 28 de dezembro de 2022
    Um dos filmes pioneiros em seu estilo que mistura drama com terror, com um elenco praticamente amador, mas que entrega bem o que o filme precisa.
    Billy Joy
    Billy Joy

    3 seguidores 51 críticas Seguir usuário

    5,0
    Enviada em 1 de novembro de 2021
    SOBRE SER HUMANO
    ou sobre olhar muito tempo para um abismo.

    Poucos filmes até hoje conseguiram, com uma frase final, sintetizar um estado de espírito geral perante a obra. Quando a mãe, com o rosto desfigurado, clama desesperadamente "eu sou um ser humano!", e quando Kaneto Shindo amplia tudo isso pela repetição do movimento de salto sobre o buraco/abismo, Onibaba firma definitivamente seu lugar como obra-prima cinematográfica.

    O filme se inicia através do buraco. O abismo de Nietzsche configura-se nessa forma, de modo que é ali em que tudo que há de mais aterrador em Onibaba acabará culminando. Não por acaso, o buraco é aqui o receptáculo de corpos assassinados pelas duas mulheres, soldados que ficaram para atrás no conflito sangrento, e que acabam encontrando rescaldos de violência nessas camponesas embrutecidas pelo abismo moral da guerra.

    É nesse buraco/abismo que a mãe desce ao encontro de sua ruína, materializada na máscara que tornou o filme icônico. Demoníaca, assustadora, mas também suscitante de sentimentos dúbios, como a pena, essa máscara objetivamente estática parece modificar-se aos olhos do espectador de acordo com a atitude em cena, transitando entre o demônio que assusta e o animal ferido que clama por ajuda. Também dúbio é o motivo de sua inevitabilidade, com personagens que buscam explicações terrenas (e na verdade absurdas) para isso, mas que nunca atingem a força de sua sugestão sobrenatural.

    Independente de seus motivos concretos, a máscara funciona como atestadora de uma deterioração moral. Sua imobilidade ressalta a ideia de que atos monstruosos deixam uma marca irreparável em quem os cometeu. As personagens do filme matam e roubam desde o seu início, mas mesmo nisso ainda existe uma noção de sobrevivência, de que tais atos são necessários para manter-se vivo nessa situação horrível de guerra. Portanto, o que acaba sendo o ápice do abominável, o ponto sem volta nesse abismo que engole a personagem da mãe, é quando seus atos tornam-se essencialmente egoístas. Sua insistência em impedir os encontros entre a garota e Hachi, seu uso oportunista de um imaginário místico que parecia até então morto nesse universo sem fé dos personagens, configura-se como o ato de maldade pura que evoca o que há de implacável em torno da máscara.

    Mesmo trabalhando em torno dessa ideia de punição, Kaneto Shindo não transforma seu filme em peça moralista. Os personagens de Onibaba agem por necessidades primordiais do ser humano. É o humano reduzido ao seu estado primitivo em tempos de guerra, algo que o cinema sempre soube trabalhar muito bem.

    O adjetivo humano é, muitas vezes, associado à arte que toca sensivelmente em emoções positivas. Contudo, a arte pode muito ser humana ao retratar aquilo que é degradante. Onibaba trata da fome e do desejo sexual do início ao fim, e não existe nada mais primitivamente humano do que isso. Tudo que há de mais violento e perturbador no filme surge como consequência de atos motivados pela fome ou pelo tesão.

    Se a fome é trabalhada de modo muito evidente pela situação das personagens, o diretor consegue evocar esse desejo sexual de modo muito sugestivo através da sua paisagem. O movimento cadenciado dos juncos e a mistura da trilha sonora com sons diegéticos dessa natureza evocam magistralmente os impulsos da garota. A mise-en-scène é muito bem articulada no uso dos espaços da cabana, para o preenchimento de luz que ressalta os rostos das personagens, ou na sugestão de uma ruptura na relação entre as duas, quando um tronco da casa é precisamente enquadrado de modo a dividir o plano, impondo uma barreira entre essas mulheres.

    O que há, portanto, de supostamente sobrenatural aqui nunca toma para si o papel de protagonista que esses impulsos primitivos possuem na articulação dramática e formal do filme. Onibaba explora o medo do místico, as consequências sobre-humanas de atos condenáveis que são, essencialmente, humanos. No fim das contas, o mais aterrador mesmo não é uma máscara demoníaca, mas a deformação que ela causa num rosto, o trauma irreparável que significa ser humano em situações extremas.
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