RIO, EU TE AMO
A irregularidade díspar em uma reunião de curtas já é esperada, afinal, reunir vários diretores tão distintos, nacionais e internacionais, com um tema em comum, faz com que o resultado seja bastante oscilante. Em suma, Rio, Eu Te Amo, é um filme bonito e agradável na maior parte do tempo. Dos filmes antecessores com o título de Cidades do Amor (Nova York, Eu Te Amo e Paris, Eu Te Amo), vi somente o filme que fala sobre a cidade francesa, e achei o “nosso” filme mais interessante, embora tenha vários problemas. A impressão final é que os cineastas brasileiros souberam explorar a cidade de maneira bem mais interessante que os estrangeiros. Vou avaliar os curtas isoladamente:
Dona Fulana – O curta do diretor carioca Andrucha Waddington abre o filme com a história de uma mendiga voluntária (Fernanda Montenegro, excepcional como sempre) que vive nas ruas do centro da cidade por gostar do estilo de vida das ruas. Seu neto Leandro (Eduardo Sterblitch) acaba encontrando-a e “salvando-a” de um guarda municipal. Mas a partir daí, ela ensina ao neto o que é felicidade. É um curta muito bonito, que vale muito pela atuação de Fernanda, mas que soa extremamente fora da realidade. Belo, mas forçado. Nota 8.
La Fortuna – O cineasta italiano, ganhador do Oscar esse ano por A Grande Beleza, Paolo Sorrentino, começa bem sua história sobre um casal gringo que vem para o Rio passar férias. Uma ex-modelo (Emily Mortimer) é uma perua quarentona casada com um homem bem mais velho (Basil Hoffman). A cena do avião é bem interessante, mas depois que eles vão à Praia da Sereia, o filme passa por uma cena musical constrangedora e um final ridículo. Mediano. Nota 6.
A Musa – O grande diretor paulista Fernando Meirelles faz o curta mais visual e sonoro de todos. Não há diálogos e as várias pessoas que passeiam pelo calçadão de Copacabana ficam no anonimato, já que basicamente o ator francês Vincent Cassel é o único cujo rosto é mostrado. A história é bem original – um escultor de areia que se encanta por uma musa inspiradora - e agrada aos olhos. Um dos pontos altos do filme. Nota 9.
Acho Que Estou Apaixonado – O diretor australiano Stephan Elliott (de Priscilla, a Rainha do Deserto), faz um curta que começa bem interessante, mas cujo final mágico é simplesmente estapafúrdio demais. É a história de um astro do cinema (Ryan Kwanten) que veio à cidade participar do Festival do Rio, mas ao passar de táxi próximo ao Pão de Açúcar fica encantado e decide escalar o ponto turístico na unha (literalmente), juntamente com o taxista (Marcelo Serrado). Não fosse o final ridículo e bizarro, seria muito bom. Nota 6.
Quando Não Há Mais Amor – O curta do conhecido ator/diretor/roteirista americano John Turturro, é o que causa maior indiferença do espectador. Houve ainda uma falha na projeção durante sua exibição, o que agravou sua falta de vigor. Um casal, interpretado pelo próprio Turturro e a francesa Vanessa Paradis, discute a relação em diálogos insossos e pretensamente inteligentes. Li que se passa em Paquetá (não reconheci o lugar, pois faz séculos que não vou lá, e mais aparece um casarão velho que outra coisa nesse trecho). Vale pela bela cena musical de seu desfecho. Nota 7.
Texas – O diretor mexicano Guillermo Arriaga, que adora um dramalhão, vide seus filmes como roteirista e diretor, não foge da tragédia com o trecho mais triste do filme. Um boxeador (Land Vieira) tenta recompor sua vida depois de perder o braço num acidente de carro, que ainda deixou sua bela esposa (Laura Neiva) numa cadeira de rodas. O acidente não é mostrado, mas o peso dele está lá. E a proposta indecente do gringo interpretado por Jason Isaacs é inverossímil, mas dramaticamente poderosa. Muito bom. Nota 9.
O Vampiro do Rio – Esse é disparado o pior curta do filme. Tonico Pereira faz um garçom, que como já deixa entender o título do curta, é um vampiro. Ele se relaciona com uma prostituta (Roberta Rodrigues) que tem sonhos de ir pra Nova York. Não há muito que falar sobre esse trecho. É simplesmente muito trash, ridículo, beirando a imbecilidade. Para ter uma ideia, imagine um bando de sambistas vampiros sambando numa ladeira e uma prostituta nua num parque dizendo que está com sede de sangue... Simplesmente o cúmulo da bizarrice. Só o esforço do Tonico Pereira é algo de positivo no curta do coreano Im Sang-soo. Nota 1.
Pas de Deux – Depois do pior trecho do filme, vem o melhor. O cineasta carioca Carlos Saldanha cria um verdadeiro show à parte. Uma DR de um casal de bailarinos nunca me pareceu tão bela. A história em si não é original: um bailarino (Rodrigo Santoro) é convidado a participar de uma importante companhia de dança em Berlim, mas tende a recusar a incrível oferta para ficar junto a sua amada (Bruna Linzmeyer), que também é bailarina. O trecho mais poético do filme, e o jogo de sombras no palco do Theatro Municipal é belíssimo. Singelo e marcante. Nota 10.
Inútil Paisagem – Outro diretor carioca, José Padilha chamou o amigo de outrora Wagner Moura para fazer basicamente um monólogo sobre um homem que voa de asa delta pela cidade e discute com o Cristo Redentor as mazelas da cidade. O texto é muito bem pensado e transmite aquilo que quase todo brasileiro pensa. Ainda assim, me pareceu meio deslocado. Nota 8.
O Milagre – A atriz e diretora libanesa Nadine Labaki traz a história mais “fofa” do filme, assim como também a mais ingênua. É a história de um casal de atores veteranos, interpretados por Harvey Keitel e a própria Nadine, que ao passar por uma estação de trem se deparam com um menino (Cauã Antunes) que está em frente a um orelhão aguardando um telefonema de Jesus. É bem interessante e traz uma mensagem bem legal, além de um desfecho engraçado. Pena que o menino precise de um fonoaudiólogo urgente, pois tem uma dicção terrível! Se eu como carioca não entendi várias coisas que ele falou, como um ator americano fez isso na história do curta é o verdadeiro milagre que o intitula. Nota 9.
E ainda há o cineasta austro-brasileiro Vicente Amorim que dirigiu as partes que ligam todas as histórias, dando destaque ao personagem do taxista interpretado por Michel Melamed, que sofre de amor pela intérprete e professora de inglês interpretada por Cláudia Abreu (que, aliás, juntamente com Eduardo Sterblitch, é responsável pela cena mais engraçada do longa, ambientado numa sala de aula). Mesmo sendo tão heterogêneo, o filme é um agradável passatempo, com uma trilha sonora excelente, merchandising descarado (sorvete, cerveja e perfumaria, só pra citar os mais gritantes) e mais bons momentos que ruins.