A perda do zeitgeist
por Renato HermsdorffO grande barato da zuêra que Zoolander trouxe há 15 anos é que, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, ela tinha limites. Com uma bem-vinda dose de nonsense, a galhofa esbarrava na crítica ao efêmero mundo da moda, às vezes vazio, ora estúpido mesmo (uma parte dele, pelo menos). O humor justificava o exagero porque, por trás do texto, havia um contexto – um universo que parecia orbitar em torno de uma constante autoparódia.
Para a tardia continuação, no entanto, Ben Stiller (que dirige, coescreve e protagoniza) e equipe confiaram mais na popularidade dos personagens centrais, e se esqueceram de que há um mundo ao redor, ou melhor, um mundo específico que, a bem da verdade, não mudou tanto em sua essência desde que o primeiro filme foi lançado e, por isso, retomá-lo em forma de sátira, acabou resultando em uma repetição que não se justifica.
Recheado de participações especiais (tão numerosas quanto sem sentido, elas são um desperdício, que servem de arapuca para atrair, sobretudo, o público mais jovem), a produção começa com uma enigmática perseguição a um astro da música – cujo olhar registrado em seu perfil do Instagram antes de morrer vai ser um dos motores da ação; e termina com a reunião do dream team do mundo fashion para a cena final. Entre uma ponta e outra, no entanto, o que se vê é o desenrolar de uma história rocambolesca e autorreferente demais.
Por conta de uma série de assassinatos misteriosos de celebridade (o olhar citado acima dá a pista), a agente policial e ex-modelo de biquíni Valentina Valencia (Penélope Cruz) acredita que somente o ex-supermodelo Derek Zoolander (Stiller) pode ajudá-la a solucionar o caso; porém, ele, assim como o ex-companheiro de passarela Hansel (Owen Wilson), aposentados, sumiram do mapa.
Eles voltam para um último desfile, a convite de Alexanya Atoz (Kristen Wiig, um dos destaques do filme, porém subaproveitada), dona da marca mais badalada da atualidade, e acabam sendo humilhados. Derek ainda tem um interesse particular, de reatar as relações com o filho (nascido no primeiro filme, se lembra?) Ah, sentiu falta de Mugatu? Sim, o estranhamente carismático personagem de Will Ferrell também está de volta – e com o devido peso –, mas fica até difícil precisar em que contexto o personagem se insere na trama. A essa altura, se você se perdeu, é porque trata-se de um roteiro tão confuso quanto o é a tentativa aqui de explicá-lo.
“Mas, como, se o trailer é tão engraçado?”, você deve estar se perguntando. Acontece que as melhores cenas foram gastas na divulgação do filme (quando Alexanya para de falar e a boca continua em movimento, devido ao excesso de intervenções cirúrgicas; ou o momento em que Mugatu, histriônico, atira o caffè latte perfeito no colo do assistente).
Resta uma a mais, a “briga sexy de mulheres” – que ainda traz uma revelação –, mas não vamos estragar uma das poucas e boas surpresas de Zoolander 2, que perde o zeitgeist, o “espírito da época” tão bem captado no primeiro filme.