Pobres românticos
por Bruno CarmeloDiante de A Filha do Pai, vale saber que você tem maior possibilidade de gostar do filme se tiver uma veia romanesca no corpo. Este melodrama pode agradar caso você se comova com uma imagem heroica da sociedade, povoada por homens pobres e íntegros, outros ricos e mercenários, além de garotinhas ingênuas, seduzidas por homens belos e maliciosos. Os pobres são mártires, os ricos são vilões, mas existe sempre uma perspectiva otimista no final, como indicam as paisagens ensolaradas e a trilha sonora redentora. De certo modo, esta produção bate em cheio com a cultura das telenovelas brasileiras.
Comparar um filme a uma telenovela sempre foi um atalho depreciativo da crítica de cinema, mas neste caso a história realmente adota uma estrutura semelhante à das teledramaturgias, com a divisão em núcleos (uns cômicos, outros dramáticos, uns miseráveis, outros burgueses) e sua história de amor central que estabelece a ponte entre todos os grupos. A distribuição nacional fez um bom trabalho ao encontrar um título que pudesse ter apelo ao público local, além de criar um cartaz belo e simples, evocando ao mesmo tempo a época e o romantismo da história.
O livro que deu origem ao filme, La Fille du Puisatier (algo como "A Filha do Escavador de Poços"), foi escrito por um dos autores sociais mais respeitados e queridos na França, Marcel Pagnol. Talvez por isso, o diretor estreante (e ator veterano) Daniel Auteuil transcreve os conflitos sem inovações, sem modificações. Por um lado, isso pode ser visto como "respeito" e "fidelidade", por outro, o filme se transforma em uma ilustração, ao invés de uma criação. A direção é perfeitamente acadêmica, quadrada, com planos próximos quando os personagens falam, e planos de conjunto quando caminham pelo campo. Tudo está em seu lugar neste mundo de previsibilidade narrativa e imagética.
A grande qualidade de A Filha do Pai encontra-se no elenco principal. Para viver a personagem central, Patricia, foi escolhida Astrid Berges-Frisbey, jovem de temperamento explosivo. Ela confere a esta moça crédula uma personalidade forte, evitando retratá-la como uma pobre coitada, sem voz própria. Seu par romântico é vivido por Nicolas Duvauchelle, outro nome em ascensão no cinema francês, conhecido por transitar com facilidade entre os garotos comportados e os bad boys. Juntos, eles conseguem atribuir complexidade a uma história de amor um tanto banal.
O mesmo não pode ser dito, no entanto, dos atores coadjuvantes – em especial do próprio Auteuil. Sabine Azéma, Jean-Pierre Darroussin e Kad Merad são grandes nomes das artes dramáticas francesas, mas eles parecem ter sido instruídos para exagerarem no sotaque, nas caras de tolos ou mesquinhos, acentuando o maniqueísmo da trama. Isso fica ainda mais nítido rumo à conclusão, quando o imperativo do final feliz faz com que os malvados ganhem sentimentos, os bonzinhos os perdoem, e todos sorriam juntos, de mãos dadas.
Por fim, para a sorte de uns e azar de outros, A Filha do Pai traz exatamente aquilo que promete: a trama de uma garotinha enganada, que bebe nas fontes de todo amor romântico que a literatura clássica já compôs. Você já conhece esta história, e sua apreciação do filme dependerá justamente da capacidade a admirar uma trama que conduz seu público durante 100 minutos por uma estrada única, em linha reta, até o final previamente anunciado.