Não assisti Jogos Vorazes no cinema porque queria entrar em contato com a história de Katniss primeiro pelo livro. O tempo foi passando, outras obras literárias foram surgindo em minha vida e acabei deixando o livro de Suzanne Collins de lado. Agora com a estreia do segundo longa-metragem, resolvi abandonar de vez a leitura e fui ver Jogos Vorazes assim mesmo, sem conhecer nada, sem saber nem ao menos o mínimo. E isto pode ter sido benéfico, pois pude me embrenhar neste grande Big Brother da ficção que é Jogos Vorazes, com todas as suas intrigas e encenações, sem ter um conceito pré-estabelecido acerca de tudo. A experiência me agradou bastante, já posso adiantar. Além disso, é a minha primeira crítica de um filme que assisti em casa e não no cinema.
Desde o início Jogos Vorazes passa a impressão que começou na metade da história e que o espectador já deveria saber de tudo. A sensação só aumenta com o desenvolver da trama, com fatos e objetos aparecendo sem uma apresentação apropriada e diversas pontas soltas sendo lançadas para o espectador – e com grande parte não sendo explicada com o final deste primeiro episódio. Mas tudo bem, a coisa toda funciona muito bem e flui mesmo assim. Arrisco dizer que funciona muito bem exatamente por ser assim. Acaba por agradar tanto quem leu a obra quanto quem não leu. A história de dominação e tirania através da política de pão-e-circo é bem desenvolvida, com diversas referências interessantes à Roma Antiga e seus gladiadores – e um Seneca que faz jus ao seu homônimo romano que desenvolveu a tragédia na dramaturgia europeia, assim como a tragédia que são as competições dos Jogos Vorazes – aos concursos esdrúxulos de beleza e principalmente à televisão hipócrita que abraça a violência como grande fonte de lucro e que alterna momentos de alegria e tristeza em busca de audiência sem se preocupar com os envolvidos. Tudo isso ocasionado pela revolução de doze distritos insatisfeitos que agora devem pagar um tributo absurdo ao seu governo mais absurdo ainda por terem tentando tornar o mundo mais justo. Os tributos pagos – que são os Jogos Vorazes propriamente ditos – de tão injustos acabam despertando este sentimento de injustiça também em quem assiste, se tornando mais forte ainda ao perceber que os jovens escolhidos para a batalha no melhor estilo Battle Royale terão que combater não apenas o resto do mundo, mas também os seus próprios, provenientes do seu próprio distrito. Os elementos que remetem a outros filmes, aliás, não se limitam apenas ao violento e cult filme japonês – que é muito mais sanguinário que o filme do diretor Gary Ross, sendo, porém, algo já esperado tendo em vista a faixa etária alvo de jogos Vorazes – passando muito bem pela fórmula de academia e treinamento consagrada por Harry Potter e pela distopia e oposição a um governo tirano de V de Vingança.
A atuação de Jennifer Lawrence, para variar, está formidável, algo já esperado para um prodígio do quilate dela que com apenas 23 anos já coleciona no currículo duas indicações ao Oscar e um prêmio da Academia. Ela passa perfeitamente para o espectador sensações como, por exemplo, estar perdida e não ter um chão à partir do momento que se voluntaria e entra na realidade antes tão distante dos Jogos Vorazes. Definitivamente uma atuação primorosa de uma atriz que parece não ter limites. Stanley Tucci também se destaca como um apresentador dos Jogos Vorazes caricato e intenso, exatamente como os grandes comunicadores de televisão atual. Por último, Josh Hutcherson no papel de Pette aparece bem com um personagem muito legal de se acompanhar, que sabe o poder de persuasão que tem e o utiliza de forma inteligente para formar as alianças mais improváveis e conseguir se manter literalmente vivo no jogo.
Um ponto que me agradou bastante e merece todo o destaque no filme é a parte sonora. O silêncio sepulcral apresentado em diversas partes do longa é tenso, de tirar o fôlego, sendo muito bem encaixado com a ação no decorrer da história. Um som específico como marca do filme é uma sacada muito bem bolada, sendo impossível não assoviar junto quando se escuta o canto do tordo. E as músicas, muito bem selecionadas, dão um toque especial ao filme representando muito bem toda a beleza trágica e a tristeza vivenciada pelos moradores dos doze distritos. Vale uma menção especial à música Safe and Sound de Taylor Swift que realmente é uma tremenda de uma música. Fico admirado toda vez que a escuto.
No fim Jogos Vorazes foi uma experiência cinematográfica capaz de me entreter bastante, prendendo minha atenção do começo ao fim, mesmo sem ter lido o livro ou conhecer detalhes da história. Penso que todos deveriam ir ver um filme baseado em uma obra literária sem nenhum tipo de amarra, para poder assim tirar tudo de bom que a história na tela tem para oferecer. É obvio que as coisas são muito mais intensas e detalhadas em um livro e esperar que um filme seja do mesmo jeito é ingenuidade. Após diversas tentativas por parte de outras obras, Jogos Vorazes aparece como um forte candidato à vaga deixada por Harry Potter e todo frisson sobre a série tem, sem dúvida, todos os motivos para acontecer.