Você tem "fome" de que?
por Roberto CunhaVendido como o sucessor de Harry Potter e A Saga Crepúsculo nos cinemas, Jogos Vorazes tem muito mais coisas em comum com estes títulos do que o simples fato de ter vindo das livrarias e ser focado no público jovem. Aliás, o texto que você vai ler é de quem só viu o filme. Então não adianta torcer o nariz se és leitor(a) da trilogia (os outros dois títulos que virarão filmes são "Em Chamas" e "A Esperança") porque os comentários não são sobre as páginas, mas sobre os muitos metros de película. De volta às semelhanças, por mais que os fãs ardorosos dos bruxos de J.K. Rowling possam amaldiçoar as comparações ou a turma viciada nas linhas de Stephenie Meyer fique mordida de raiva, o fato é que a obra de Suzanne Collins - no cinema - também não tem "sustância" para o espectador ávido por algo mais envolvente. Então o filme é ruim? Depende do ponto de vista.
Tem horas que muita gente busca apenas distração, como revelou a aceitação dos duelos com varinhas de condão potternianas ou os crepusculares vampiros brilhantes e lobisomens ciumentos, vistos por milhões de não leitores, que podem ter se convertido após a experiência na sala escura. Nesta história de agora, a população vive dividida em 12 distritos sob o comando de uma classe dominante, que trouxe a paz de volta, mas cobra anualmente um tributo e esse "dízimo" nada mais é do que enviar dois habitantes de até 18 anos para representar cada distrito em uma competição de vida ou morte. Na verdade, 24 entram na "arena" e somente um sairá vivo. Uma jovem de 16 anos se oferece para ir no lugar da irmã caçula e acaba descobrindo que o tal jogo não é somente uma cruel "brincadeira" mortal, mas também uma maneira de manipular as pessoas, oferecendo aquilo que elas querem ver em um reality show.
Como se vê, existem ecos de diversos autores que já exploraram esse contexto, como George Orwell com o clássico "1984", e quem fizer relação com o programa Big Brother não terá errado. Falando em jogo, o roteiro oscila bastante na hora de explorar o drama. Não "avança casas", quando coloca esfomeados super comportados diante de um banquete, e "pula casas", quando o torneio mal começa e a protagonista já está comendo um sapo na brasa para representar a fome. O estranho é que o longa não é pequeno (tem mais de duas horas) e essa aceleração atrapalha o envolvimento, principalmente com o não leitor, além de enfraquecer os personagens.
No conjunto, aqueles que curtem efeitos especiais encontrarão alguns legais e os ligados na parte mais visual, por exemplo, vão viajar com algumas locações, além do exótico figurino e a maquiagem. As cenas de ação são boas e o "sangue" dos combates, embora esteja lá, é meio velado. Entre as curiosidades, a suntuosa entrada dos competidores em bigas é interessante. Diferente do formato da cornucópia (local onde ficam os suprimentos), cujo nome (infeliz) serve mais para fazer trocadilho barato com um dos personagens que descobre-se "corno" em rede nacional. Ponto negativo para as muitas licenças criativas, como coisas virtuais que viram reais, e os clichês, como o clássico (e ridículo) ato de fechar os olhos de alguém que morreu com eles abertos.
No elenco de jovens, além da protagonista Jennifer Lawrence, os outros integrantes se saem bem nesta aventura com baixíssima intensidade de carga dramática. Elizabeth Banks funciona como uma estereotipada "gestora" de talentos e Lenny Kravitz, como ator, ainda é ótimo compositor, cantor e multi-instrumentista. Entre os veteranos, Stanley Tucci manda bem como apresentador/fanfarrão (espécie de Gavião Bueno da tal nação), enquanto Woody Harrelson repete outro papel meio maluquete, acompanhado de Wes Bentley (ainda jovem) e Donald Sutherland, honestos em seus respectivos e enigmáticos papéis.
Dirigido por Gary Ross (Alma de Heroi), essa produção tem seus méritos e repete uma fórmula básica. Tem vilão, amuleto, rivalidades e até pomada mágica. Assim, os que buscam diversão numa trama que debocha bem do lado boçal da sociedade manipulada pela TV têm programa garantido. O mesmo pode não acontecer, porém, para quem procura algo mais envolvente e menos superficial. Com isso, a pergunta que não quer calar é: você tem "fome" de que?