Um novo 3D subutilizado
por Sarah LyraNormalmente, abordar questões externas ao que é visto em tela durante um filme não se faz relevante em uma análise crítica, porque o trabalho fala por si só — ou ao menos deveria. No caso de Projeto Gemini, no entanto, o modo como tem sido divulgado comercialmente acaba influenciando na experiência do produto em si. Apoiado em uma forte campanha de promoção da tecnologia 3D+, supostamente revolucionária para o Cinema, e no rejuvenescimento digital de Will Smith, o longa dirigido por Ang Lee peca ao justificar a sua razão de existência com uma premissa que tira o espectador do estado de suspensão inerente à experiência de assistir a um filme. Quando dedicamos algumas horas de nossas vidas a acompanhar personagens e universos em narrativas elaboradas, estamos automaticamente consentindo uma transferência à outra realidade e dando o aval para sermos envolvidos pelos diversos recursos empregados, como em um passe de mágica que sabemos se tratar de uma ilusão, mas que nos atrai o suficiente para que nos deixemos ser enganados.
De maneira geral, Projeto Gemini apresenta uma trama genérica, que segue à risca a fórmula de franquias já consolidadas de ação, como os Missão Impossível e James Bond. Partir de um formato já conhecido, com ideias conspiratórias, reviravoltas e perseguições em paisagens urbanas das mais belas cidades do mundo, não é um problema em si, porém, aqui, fica evidente a falta de ambição do roteiro. Não há um desejo de oferecer uma história nova ao espectador, a técnica aplicada em Will Smith e a captação em 120 quadros por segundo são o foco das atenções. Quando Júnior (versão mais nova de Smith) surge em tela, a reação imediata é analisar os detalhes do bem executado trabalho digital. Essa preocupação excessiva com a técnica, quase como se estivéssemos em busca de pequenas falhas, nos tira do estado de suspensão citado anteriormente, e isso prejudica a imersão completa na narrativa. O mesmo acontece nas cenas de ação, em que notamos o caráter ultra realista das imagens, que em alguns momentos chegam a lembrar a estética dos videogames.
Diferente do mundo dos games, em que a performance gráfica afeta diretamente a fluidez nas imagens e a precisão dos combates, o Cinema não exige necessariamente esse nível de realismo, pois não se trata de uma experiência interativa com uso de acessórios como joysticks. Por mais válido e bem-vindo que o avanço tecnológico seja, e Ang Lee certamente sabe fazer uso disso como forma de entretenimento, a imersão cinematográfica exige mais do que apenas uma tridimensionalidade exacerbada. O uso do recurso em Projeto Gemini funciona mais no sentido de mostrar que é possível ser feito — abrindo, é claro, a possibilidade para que se desenvolva — do que como uma linguagem que vai reinventar o fazer artístico ou comunicar ideias e sentimentos de uma forma diferente, mas ainda assim orgânica.
Tecnologias inovadoras à parte, Lee demonstra algumas de suas habilidades como cineasta experiente no comando desta produção, principalmente na fotografia. O diretor emprega com bastante frequência tomadas abertas e evita a redundância de planos com profundidade de campo reduzida (desfoque acentuado), permitindo que o 3D seja valorizado pelas diversas camadas no quadro. As distorções geradas pelo uso de lentes grande angulares também se destacam — note como o centro do trem aparece deformado na cena inicial e como os objetos em primeiro plano, principalmente os fuzis de precisão, parecem desproporcionais àqueles mais ao fundo. É uma pena que esses efeitos, por mais bem empregados que sejam, sirvam a fins unicamente estéticos na maior parte do tempo. A perseguição em Cartagena — toda a sequência na moto, além do uso de reflexos como estratégia para determinar a posição do inimigo — e a transição da cena de afogamento que ilustra o medo do protagonista são algumas exceções.
Mesmo com o ponta pé inicial dado, tudo indica que o 3D+ ainda vai enfrentar um longo caminho, que nem o 3D “tradicional” ainda conseguiu trilhar, com seu obstáculo principal sendo o fato de que a maiorias dos cineastas não pensa na tridimensionalidade como recurso de linguagem, e, mesmo quando pensam, esbarram na questão de que grande parte do público só tem acesso aos filmes em duas dimensões. Dentro do que se propõe, Projeto Gemini decepciona por não elaborar uma trama que vá além das inovações, e por colocar a história em função da tecnologia e não a tecnologia em função da história, com recursos empregados mais como novas estratégias para atrair consumidores ao cinema do que como necessidade autoral.