“As nossas vidas não nos pertencem. Desde o útero ate o tumulo, estamos ligados a outros. No passado e no presente. E por cada crime e por cada ato de bondade; fazemos renascer nosso futuro.”
Baseado no Best Seller de mesmo nome, do escritor David Mitchell; Cloud Atlas ( ‘A Viagem’ aqui no Brasil) novo filme dos irmãos Wachowski (Matrix) em parceria com o diretor Tom Tykwer, vem para nos brindar com uma experiência através dos tempos, da razão e da sensibilidade, versus a brutalidade, o humor negro e a critica humanística.
Na trama, somos impelidos a seis diferentes épocas, onde cerca de 10 personagens distintos se cruzam de diferentes formas.
1850. No século XIX, Adam Ewing (Jim Sturgees) é um advogado enviado pela família para negociar a comprar de novos escravos. Ao retornar para casa, ele salva um escravo, Autua (David Gyasi), que está fugindo de Henry Goose (Tom Hanks), um médico que o envenenou.
Em 1930, o jovem e talentoso compositor Robert Frobisher (Ben Whishaw) ajuda o também compositor, e já idoso, Vyvyan Ars (Jim Broadbent). Durante o trabalho, Robert encontra uma crônica escrita por Ewing em um jornal em meio aos livros de Ars. Robert, mantem um relacionamento proibido com Sixmith, um aristocrata famosa a sua epoca.
Em 1970, a jornalista Luisa Rey (Halle Berry) conhece Rufus Sixmith (James d'Arcy) quando o elevador em que ambos estão quebra. Tempos depois, ele a procura para revelar que estão encobrindo uma série de falhas no projeto de construção de um reator nuclear; que poderia mudar o destino do planeta definitivamente.
Nos dias atuais,(2012) Timothy Cavendish (Jim Broadbent) é dono de uma pequena editora, que lançou um livro que dificilmente dará retorno financeiro. Entretanto, a situação muda quando o autor do livro mata um de seus críticos, tornando-se uma celebridade instantânea. Porem, totalmente endividado, ele é obrigado e a se esconder com a ajuda de seu irmão mais velho e rico. Mas o esconderijo na realidade se mostra ser uma armadilha.
Coreia do Sul (agora chamada de Nova Seul), futuro. 2130 aproximadamente. Sonmi-451 (Donna Bae) é um clone que trabalha em um restaurante fast food. Ela foi programada para realizar todo dia as mesmas tarefas, sem manifestar qualquer reclamação, mas a situação muda quando outro clone acaba, sem querer, despertando-a sobre sua existência.
Futuro. Nova Seul foi tragada pelas águas há 100 anos, o que fez com que o local viva uma realidade pós-apocalíptica, onde canibais exterminam pessoas do Vale.Nesta época vive Zachry (Tom Hanks), o líder de uma tribo que venera Sonmi como se fosse uma deusa. Sua vida muda quando Meronym (Halle Berry), que integra um grupo evoluído chamado Prescients, lhe pede para viver com sua tribo.
Todas essas Seis historias se interligam em uma montagem frenética que o filme faz indo do passado, ao futuro, ao presente e de volta ao passado num ritmo muitas vezes descontrolados, formando um paralelo entre as tramas.
O que causa certa confusão ao expectador a principio.
É importante salientar que todos os personagens centrais das Seis historias são interpretados pelos mesmos atores ao longo das épocas. E aqui se revela o maior triunfo de Cloud Atlas: seu trabalho de caracterização fenomenal e impressionante.
A maneira com que a maquiagem consegue de forma natural e imperceptível alterar as feições de cada ator ao longo das tramas é impressionante. E os atores por sua vez também ao conseguirem mudar não só o trabalho corporal, mas também sonoro de suas vozes de acordo com os personagens que assumem.
Da segunda metade do filme em diante, o roteiro se mostra coerente em toda a sua montagem difusa, e finalmente o filme toma corpo e velocidade aceitável e extremamente instigante e envolvente. Contando com diálogos mornos, meio clichês, mas funcionais ao enredo, Cloud Atlas ainda possui uma fotografia soberba, repleta de tons claros e delineados, assertivo de acordo com a época a que se referem; e uma trilha sonora inspiradora ao longo de sua longa duração.
O único problema em Cloud Atlas esta na forma que escolheu contar tal saga. Cada historia paralela funciona muito bem como unidade única de projeção. Mas quando colocadas juntas para formarem uma célula única, o que se obtém é um filme que lembra demais uma minissérie. Não há objetividade no desenvolvimento por incontáveis vezes. O filme nos leva de uma historia vazia, mas hilária de uma tentativa de fuga de alguns velhinhos de uma casa de repouso fascista. Ate uma mega produção sci-fi repleta de ação e drama brutal, com critica social latente, sem um pingo de humor. A ideia é interessante, mas o desenvolvimento ainda não foi a melhor pedida.
Cloud Atlas parece ser o tipo de historia que mereceu ser contada sim, por toda sua grandiosidade e relevância, mas que merecia ser uma serie- ou minisseria- e não um longa, mesmo em suas quase 3 horas de duração.
A filosofia vendida, por vezes batida do tipo: buscaremos a verdadeira- verdade, pintando alguns personagens, como a Sonmi, por exemplo, como uma verdadeira messias, inclusive, abusando de recursos visuais fazendo relação ao calvário na cruz e ao sacrifício do mesmo pela humanidade- se mostra um tanto um quanto monótono por vezes. Mas quando se analisa como um todo é uma boa reflexão acerca da fé, da esperança e da luta por mudanças. Aqui, a ideia da reencarnação é vista de diferentes formas e de maneira sensível, sem ser auto-imposta. Alias a religião é algo latente na obra, mas não totalmente perceptível ou catequista. A ideia do Karma. E isso é um ponto e tanto.
Uma ressalva importante: como filme, as únicas historias que realmente se apresentaram instigantes e que mereciam uma abordagem independente foram o núcleo todo de Sonmi; e a historia conturbada de Frobisher e Sixmith.
Ao final, Cloud Atlas se torna um grande filme, relevante sim, com erros dispersos por conta do formato, mas que merece ser visto, revisto analisado, discutido e principalmente contemplado sim, mesmo em sua não sutileza de instigar a frase: “e o que é um oceano afinal, senão inúmeras gotinhas juntas?”. Pelo simples fato de propor uma discussão valida a cerca dessa nossa grande viagem rumo ao lugar que ninguém ainda conhece.