De uma produção que tem como diretores os irmãos Wachowski (de Matrix e V de Vingança) e Tom Tykwer (de Corra, Lola, Corra) não se poderia esperar um filme convencional, comum. E A Viagem definitivamente pode ser tudo, menos um filme comum. Na verdade, o entrelaçamento de tramas se passando em 6 épocas diferentes criou uma narrativa sem igual. O público hoje em dia já está mais familiarizado com idas e voltas no tempo (como na série de TV Lost), histórias em "camadas", como A Origem, e abordagens de várias tramas que se entrecruzam, como nos filmes 21 Gramas e no recente 360, por exemplo. Mas com certeza A Viagem radicalizou no enfoque de várias tramas paralelas.
O filme está sendo vendido no Brasil como uma abordagem dos temas espíritas de reencarnação, vidas passadas e lei de causa e efeito. Valeria lembrar aos distribuidores que esses temas não são criação do Espiritismo, que nasceu no final do século XIX, mas já existem há muitos anos na cultura hindu, por exemplo, e eram aceitos por filosófos clássicos como Aristóteles, Sócrates e Platão. Portanto, o filme pode ser visto e apreciado mesmo com quem não simpatiza ou não concorda com esses temas. Além do mais, as ideias abordadas vão além disso, como, por exemplo, o potencial que cada um de nós tem de modificar e influenciar a sociedade ao nosso redor, e como ideias e a desalienação podem nos transformar de uma forma irreversível.
Confesso que, antes de assisti-lo, tinha um pé atrás com a proposta do filme, adaptando um romance que muitos tinham como infilmável. Mas achei engenhosa a maneira como as tramas são colocadas ao longo do filme, não tornando absolutamente o filme confuso ou incompreensível. Algumas pessoas se queixam que não há conexões claras entre as histórias, mas acho que esta é mesmo a proposta do filme, deixar que cada espectador una os pontos à sua maneira. Tenho uma certa dificuldade em dizer se o filme foi plenamente realizável em sua proposta, mas as suas qualidades superam em muito os defeitos. Há, sim, bizarrices e algumas frases de efeito desnecessárias, além de algumas vezes o filme parecer querer ser didático demais em relação a vender as ideias que o livro abraçou. Mas o que me chamou mais a atenção foi a capacidade dos diretores de em cada minúsculo pedaço de trama que é apresentado aos poucos, como um quebra-cabeça, ter conseguido uma densidade dramática, um envolvimento do espectador, e interpretações generosas e convincentes de todo o elenco principal.
Não esqueça que cada um dos principais atores interpreta de 4 a 6 papéis diferentes, que com a ajuda de caracterizações e maquiagens excepcionais, até dificultam sua identificação, transformando isso quase em um joguinho para o espectador identificar onde está o ator tal em cada uma das diferentes tramas. Destaque principalmente para as caracterizações de Tom Hanks, mas também para o excelente trabalho de Jim Broadbent (Vyvian Ayrs/Timothy Cavendish) e Ben Wishaw (Robert Frobisher). O filme é irregular, é certo, com algumas tramas sendo bem mais interessantes que outras (destaque para aquela que se passa na década de ´30 no século XX), mas o cuidado de produção - com destaque para a direção de arte, figurinos e maquiagem - e a paixão com que nitidamente os diretores e atores abraçaram o projeto tem um saldo positivo: a) o filme não sai da cabeça facilmente; b) sua estrutura não se parece com nada feito recentemente; c) fica uma vontade de vê-lo de novo, para compreender melhor tanta coisa para se absorver. Acho que isso já vale dar uma conferida em A Viagem.