O filme é um tiro a queima roupa, no meio do peito. Tem que ter estômago, pois é um exercício de necropsia no corpo moribundo desta cidade partida, em que transitamos completamente alheios ao seu cheiro de putrefação. Esteticamente não há surpresas, nem deleites, é retrato em preto e branco, quase jornalístico, duro, dolorosamente real, como as capas dos tablóides populares. Bruno Barreto teve o mérito de conseguir transportar o espectador, sem meias palavras, ao mundo animalizado dessas crianças e adolescentes cuja alma foi completamente carbonizada pela violência, pela dor, pela solidão, pelo descaso. Cinematograficamente, considero Linha de Passe um filme melhor, pois explora com poesia um mundo quase tão duro quanto àquele que Bruno Barreto se propôs mostrar. Mas será que não foi mesmo esta a idéia do diretor? Purificar cada fotograma (sem, contudo, deixar de ter apuro técnico) de tudo que não fosse a realidade? Se há retoques na obra, acredito que estão localizadas em certos aspectos do roteiro que poderiam ser mais bem pontuados, como por exemplo, a demonização e a lavagem cerebral que crianças como Alessandro (atuação surpreendente e impactante) são submetidas para que possam ser recrutadas ao crime; e a solidão, a culpa e a dor das mães desses pequenos cadáveres sociais. Esse último aspecto, aliás, poderia ter fornecido ao filme um ritmo melhor, pois traz consigo um dos ingredientes mais instigantes ao espectador que é a surpresa. Como o próprio Walter Salles disse, o mérito de um filme é sua capacidade de contar a história de um povo, para que possamos evoluir, melhorar, não esquecer (idéia, aliás, em oposição ao mercado cinematográfico). Se esse é o maior mérito de um filme, Bruno Barreto cumpriu com muito sucesso. Vale a pena conferir.