Apartheid Alienígena
por Francisco RussoFilmes de ficção científica costumam apresentar situações futuristas, em uma tentativa de prever o que acontecerá nas décadas, ou até séculos, vindouros. Muitas vezes como mero pretexto para gerar batalhas e situações de ação, de forma a capturar a atenção do espectador. Poucos são aqueles que voltam seus olhos não para o espaço, mas para a própria Terra e seus habitantes. Distrito 9 é uma destas exceções.
O contexto é inusitado: houve o esperado contato entre humanos e alienígenas, mas de uma forma inesperada para ambos. Uma gigantesca nave espacial repentinamente quebra sobre Joanesburgo, capital da África do Sul. O simples fato disto não ter acontecido em Nova York, Washington ou qualquer outra cidade americana é motivo de surpresa, gerando até mesmo uma rápida piada no filme. Após três meses de espera, os humanos invadem a nave e lá encontram milhões de alienígenas subnutridos, à beira da morte. Fica então a questão: conceitos humanitários devem ser aplicados a alienígenas? Até que ponto?
A escolha de Joanesburgo é simbólica pela resposta a esta pergunta. O tratamento dado aos alienígenas nada mais é do que uma adaptação do que aconteceu na própria África do Sul décadas atrás, no período do apartheid. A divisão extrema entre brancos e negros é aqui aplicada, com os extraterrestres sendo discriminados a um gueto chamado Distrito 9. Lá eles vivem em uma imensa favela horizontal, com pouquíssimas condições de saúde, higiene e alimentação. O foco apenas é transportado para a relação entre humanos e aliens, o que não elimina a questão. O fato dos envolvidos não pertencerem, originalmente, à Terra, é motivo suficiente para sua exploração? O tema gera polêmica no próprio filme, como se pode notar nas manifestações da população aos eventos ocorridos. E faz com que o espectador, em sua cadeira, pense no que aconteceria se uma situação do tipo fosse real.
Não seria muito diferente do exibido, provavelmente, pelo nosso histórico de dominação e exploração. A exposição desta constatação é o grande trunfo de Distrito 9: a humanidade mostrada em suas vísceras - em certas cenas, literalmente -, pelo seu lado moral e interesseiro. Cada deboche ou preconceito exibido é um lembrete do que somos capazes e do que já fizemos. O próprio desfecho, no qual um certo temor é apresentado, também é uma característica humana: a de muitas vezes apenas se render quando há uma ameaça maior por vir. Ou seja, sem a existência do medo e com a situação sob controle, o resultado é a exploração sem pensar em outras questões. Assim costuma ser o homem.
Além da mensagem passada, Distrito 9 chama a atenção pelo seu formato. O início é todo como um falso documentário, apresentando o histórico da situação e o contexto envolvidos. Entrevistas, cenas de bastidores, o famoso "edita isso" para gafes, exibições ao vivo... tudo está lá. O que dá um tom jornalístico muito interessante, retomado já em seus minutos finais, que passa também veracidade ao exibido. Além disto o filme conta com boas cenas de ação, em um ambiente futurista mas também bastante realista, sem grandes fantasias.
Distrito 9 é um filme muito criativo, que recicla situações históricas sob um novo contexto de forma a usar o entretenimento para fazer com que o público pense. Há também um gancho escancarado para uma sequência, que parece ser inevitável devido ao sucesso de bilheteria já obtido. Está aí o risco: o de que as continuações privilegiem a ação e esqueçam do que há de melhor no filme. Um exemplo disto o próprio cinema já apresentou: O Planeta dos Macacos, cujas sequências foram muito inferiores ao original. Resta apenas torcer para que a história não se repita, agora com alienígenas como centro das atenções.