Dura na queda
por Francisco RussoÍcone dos videogames, Lara Croft é daquelas personagens cuja popularidade fez com que transcendesse o ambiente em que foi criado. Se a musa digital já havia ganho uma versão em carne e osso no início do século XXI, personificada por Angelina Jolie em dois filmes, agora ela ressurge na pele de outra jovem atriz, também ganhadora do Oscar de coadjuvante: Alicia Vikander. Entretanto, mais do que a mera troca de nomes, é importante reparar no relevante processo de ressignificação que a personagem passou nesta década e meia de hiato nas telonas.
Tal transformação fica explícita logo na primeira cena apresentada, após a abertura explicativa em torno da feiticeira Himiko: o soco no rosto recebido por Lara, associado a uma derrota na luta praticada em plena academia, elimina de imediato a aura de imbatível em torno da personagem. "Ela não é nenhuma super-heroína", o roteiro rapidamente alerta. A busca por uma Lara Croft mais "normal" é onipresente, seja ao realçar suas fragilidades ou mesmo ao afastá-la do ambiente luxuoso em torno de sua origem - que está lá, como pano de fundo, mas apenas para contextualizá-la. A nova Lara despreza a fortuna que possui, preferindo assumir seu destino ao trabalhar como entregadora e pagar suas próprias contas, um caminho bem diferente do exibido nos filmes anteriores que é, também, reflexo do empoderamento das mulheres em geral nos últimos anos. Ponto para o filme.
Porém, há também uma mudança de postura em relação à personagem. Se antes se investia mais no lado sex symbol de Lara Croft, explorando a sensualidade típica das heroínas siliconadas criadas para o digital, aqui esta vertente também é deixada de lado. Saem as cenas posadas que exploravam a beleza de Angelina Jolie em nome de uma personagem mais gente como a gente, algo em muito auxiliado pelo trabalho de Alicia Vikander. Se esta é nitidamente a personagem que mais lhe exigiu no lado físico, ainda assim ela consegue transmitir uma humanidade no olhar que, em vários momentos, ajuda a situá-la dramaticamente dentro da narrativa. Não que este seja o foco central do filme, claro, mas auxilia a nova Lara Croft nesta busca em ser uma personagem mais contemporânea.
Com tal transformação estabelecida, chama a atenção como Tomb Raider - A Origem pode ser dividido em dois filmes bem distintos. Se na primeira metade há todo este trabalho em restabelecer a personagem central, apostando em um divertido rally urbano que brinca com a ideia do costume britânico da caça à raposa, o trecho final envereda de vez na dinâmica típica de um videogame, com desafios seguidos - e por vezes absurdos - que precisam ser superados pela heroína. Com um vilão extremamente raso e caricato, interpretado por Walton Goggins, o novo Tomb Raider abandona qualquer tentativa de (re)criação para investir no mais do mesmo, artimanhas mirabolantes que não trazem emoção nem a menor dúvida do que acontecerá a seguir. Tedioso.
De início revigorante e desfecho arrastado, claramente inspirado em Os Caçadores da Arca Perdida, Tomb Raider - A Origem se rende a um punhado de diálogos deslocados, metralhadoras que convenientemente falham e vilões que se recuperam num passe de mágica no intuito de criar sucessivas sequências de ação que, quase sempre, nada acrescentam. A exceção fica por conta da boa cena do avião à beira de uma cachoeira, bem executada tanto na dinâmica de Lara Croft quanto nos efeitos especiais empregados. No mais, chama a atenção o cuidado da produção em recriar poses clássicas da personagem nos videogames, como seu balançar na corda e o andar meio enviesado, sempre com a indefectível camiseta verde escuro. Afinal de contas, por mais que esta seja uma Lara Croft mais voltada aos dias atuais, certas características jamais mudam.