Carências
por Francisco RussoKristen Stewart não é uma boa atriz – ao menos ainda não é. O excesso de maneirismos corporais, repetitivos em vários filmes, é algo que incomoda. Entretanto, chama a atenção seu esforço em dissociar a imagem de um mesmo tipo de personagem. Ao invés de repetir papéis como o de Bella Swan na série Crepúsculo, ela tem buscado diversificar. Fez a roqueira Joan Jett em The Runaways – Garotas do Rock e agora a dançarina de striptease Mallory, em Corações Perdidos. Papéis bem diferentes, que exigiram algo além do que está acostumada a fazer. Esta inquietação do artista, ainda mais diante da fama fácil, precisa ser reconhecida. Ainda mais quando resulta em um trabalho onde sua desconstrução, ou ao menos da imagem que possui perante o público, é tão marcante.
Corações Perdidos não é um grande filme, mas não deixa de ter seu valor. Trata-se de um drama sobre a carência, retratada de forma bem clara no trio protagonista. Doug (James Gandolfini) e Louis (Melissa Leo) formam um casal de tristeza absoluta, graças a uma tragédia ocorrida oito anos antes: a perda da filha. O sentimento de culpa fez com que ela saísse cada vez menos de casa, como se estivesse abandonando a vida aos poucos. Doug percebe e sofre, externando em casos ocasionais. Um dia, ele viaja para uma convenção em Nova Orleans. Lá conhece Mallory (Kristen Stewart), a jovem dançarina que se insinua para ele. Ele se afeiçoa e lhe faz uma oferta inusitada: morar com ela, pagando aluguel.
O encontro de Doug e Mallory aos poucos expõe suas fragilidades. Ele quer alguém para cuidar, ela quer ser cuidada. Mesmo que não assuma isto, já que precisa manter a pose de jovem durona e independente. Cada um se apresenta com a educação que a vida lhes ofereceu, o que faz com que haja o esperado choque. Afinal de contas, Mallory é uma stripper, com todo o linguajar chulo e provocante que a função exige. “Quero deixar o cliente satisfeito”, ela assegura. Quando sente-se ajudada por Doug, quer retribuir da única forma que conhece: através do sexo. A recusa dele a deixa ainda mais desnorteada.
A construção de uma personagem tão boca suja e que, aos poucos, tenta se adequar é o grande mérito de Kristen Stewart. Pela ousadia em se atirar neste tipo de papel e também pelas dúvidas, naturais, demonstradas no decorrer da história. Entretanto, não é dela a melhor atuação do filme. O título cabe a Melissa Leo, que consegue transmitir a insegurança de sua personagem e o esforço feito para superar os traumas. A cena em que encontra o marido em Nova Orleans é de uma sensibilidade tocante.
Corações Perdidos vacila em alguns pontos do roteiro, facilitando situações que mereciam um maior desenvolvimento de forma a tornar a história mais verossímil. O início, sem trilha sonora e com um silêncio intencional para demonstrar o estado de espírito vivido pelo casal, é um pouco cansativo. O filme apenas engrena de fato quando Doug conhece Mallory, moldando a insólita união baseada na carência mútua. Bom filme, que merece ser visto por Melissa Leo e por uma faceta até então desconhecida de Kristen Stewart. Ela, enfim, está bem em cena.