Japonês para gringo ver
por Francisco RussoEra uma vez um país dividido, onde províncias rivais tinham os samurais como defensores. Poderia ser assim o início de 47 Ronins, já que a trama básica do filme é inspirada em uma famosa lenda local de séculos atrás. Entretanto, por mais que a história tenha um tom épico, típico das grandes aventuras que povoam as boas lendas, a verdade é que tudo não passa de uma grande desculpa. Em momento algum do filme o diretor Carl Erik Rinsch consegue transmitir ao espectador o significado de tais atos nobres, diminuindo a tradição japonesa de tal forma que ela se torne um mero recipiente vazio. É assim, explorando elementos típicos da cultura local sem dar a eles o peso dramático necessário, que o filme assume de vez o pior lado de Hollywood: o de se aproveitar da cultura alheia para deformá-la ao ponto de parecer uma mera caricatura.
Exemplos disto o filme dá aos montes. A começar pela cerimônia do harakiri, apresentada como se fosse algo absolutamente trivial e, pasme!, sem uma única gota de sangue. Ok, é até compreensível que os produtores hollywoodianos tenham a preocupação de fazer um filme para todo tipo de público, de forma a arrecadar mais nas bilheterias – ainda mais quando se trata de um filme caro como é 47 Ronins, com um orçamento rondando os US$ 200 milhões. Mas, em certas situações, não há muito o que fazer sem tornar a cena em questão risível. Afinal de contas, como fazer uma cerimônia de suicídio, em que alguém abre a barriga com um punhal, sem sangue? Ou como decapitar alguém e exibir a cabeça à tropa sem uma gota sequer do líquido vermelho escorrendo? Pois é o que acontece. Mas veja bem: não se trata de querer algo sanguinolento, nada disto. Trata-se de coerência com a própria história, ao menos com a forma que está sendo contada, para que o exibido não se torne ridículo.
Entretanto, por mais que 47 Ronins se aproprie de elementos da cultura japonesa sem dar a eles o devido tratamento, é preciso reconhecer que o filme conta ao menos com um esforço de produção. Cenários suntuosos, roupas com um certo apuro – e bastante coloridas, talvez numa tentativa de copiar o visual dos filmes dirigidos pelo (chinês) Zhang Yimou - e efeitos especiais até bem feitos explicam o porquê de tanto dinheiro gasto na produção. Só que, mais uma vez, dinheiro não significa qualidade. Por mais que os efeitos até sejam interessantes, os monstros que surgem em cena são quase todos dispensáveis dentro da história, existindo apenas por exibicionismo. O único ser com justificativa é o dragão da batalha final, mas ainda assim a cena de ação é tão ruim que ela acaba causando sono.
Quanto à história, ela é bem simples. Numa das tais províncias, o senhor local é vítima de um golpe para que o local mude de mãos. O novo governante deseja se casar com a filha do antigo líder, que nutre uma paixão secreta pelo mestiço que habita a casa grande, por mais que seja humilhado por todos os samurais à sua volta. É claro que, quando a desgraça atinge a todos, o samurai líder pede a ajuda do mestiço e eles, juntos com outros 45 ronins, partem para a reconquista. O tal mestiço coube a Keanu Reeves, um tanto velho para o papel, que se vale apenas de seu ar zen para compor o personagem. Mas, a bem da verdade, trata-se de um papel de uma pobreza impressionante, que não consegue cativar o espectador.
De ritmo lento e sem boas cenas de ação, 47 Ronins acaba se arrastando pelas exageradas duas horas rumo a um desfecho onde, uma vez mais, a cultura japonesa é jogada nas telas de qualquer forma. Fraquíssimo.