Eu sou especial?
Esse é um questionamento feito por Santinho (Daniel de Oliveira), personagem que ganhou a devoção de uma pequena comunidade do Amazonas, depois que recebeu em suas mãos, da boca de um cachorro, os restos de roupa de uma garota que desapareceu.
O ocorrido aconteceu logo após o suicídio de sua mãe (Cássia Kiss). O fato foi visto como um milagre e, anualmente, peregrinos visitam a localidade em busca das revelações da menina, através do seu "guia espiritual".
Estreia do ator Matheus Nachtergaele na direção, "A Festa da Menina Morta" relata a celebração de vinte anos do ocorrido. O diretor lança um olhar observador sobre o assunto onde, aos poucos, conhecemos como a festa vem mobilizando todo aquele povo, e os preparativos do evento que, de certa forma, se tornou "negócio", com venda de bebidas, comidas e atrações musicais. Um dos personagens, Tadeu (Juliano Cazarré), irmão da menina, sofre e discorda da festa, mas acaba sendo uma voz única na multidão.
O naturalismo é muito presente durante toda a trama. Vemos várias imagens de animais (tartarugas, jacarés) e a morte de galinhas e porcos, em close-up, nos aproximando daquele clima celebrativo de vida/morte que se instala naquele lugar. O ritualismo das cenas não deixa de ser uma preparação para a queima de oferendas, procissão e a fala de Santinho, no ápice da estória.
Santinho dedicou toda a sua vida a esse ritual. E tal responsabilidade é vista em vários momentos onde ele explode sua tensão contra pequenas coisas cotidianas e atitudes banais de personagens, que o irritam. Ele toma remédios (certamente, tranquilizantes) e, em determinada cena, revê sua mãe, que ensaia um monólogo simples, mas que o atormenta e o faz questionar sua "divindade".
O filme também toca em temas difíceis como incesto, mas sem se aprofundar muito no assunto. Ao final de tudo, A Festa da Menina Morta não deixa de ser um curioso exercício de observação antropológica.