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    Oldboy - Dias de Vingança
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Oldboy - Dias de Vingança

    O cult reciclado

    por Bruno Carmelo

    Quando estreou no festival de Cannes, em 2003, o filme sul-coreano Oldboy chocou os críticos e espectadores com sua mistura de filme B, terror e comédia surreal. Este primeiro Oldboy era uma bagunça – mas uma boa bagunça, criativa, ousada, juvenil e provocadora. Um filme que fugia à tradicional elegância dos suspenses psicológicos, combinando a psicologia com muito sangue, vísceras e, principalmente, uma trama ferozmente amoral. E olha que não é nada fácil retratar sadismo e incesto sem criar vilões nem mocinhos.

    Para a surpresa geral, cerca de 10 anos depois, Spike Lee decide filmar a mesma história em versão americana. A trama é muito semelhante: um homem é sequestrado durante muito tempo (20 anos, na refilmagem) e mantido preso em um quarto, sem conhecer a razão de seu cárcere, nem o autor do sequestro. Enquanto isso, descobre que está sendo acusado de matar a própria esposa. Quando é liberado, parte em busca de vingança. Até aí, os dois filmes mantêm a mesma premissa, mas é curioso como, através de pequenas mudanças, Lee consegue fazer um filme radicalmente diferente da obra sul-coreana.

    Para dizer de maneira bem clara, o cineasta transformou o estilo anárquico e niilista de Park Chan-wook em uma obra limpinha, linear e moralista. Os personagens tornaram-se mocinhos e vilões: o protagonista, Joseph (Josh Brolin), é retratado como o maior canalha do mundo antes de ser preso. No entanto, logo depois, decide se tornar uma pessoa melhor para a sua filhinha lá fora (violinos e flashbacks românticos entram em cena). Marie, a garota que o ajuda (Elizabeth Olsen), também fez coisas ruins em sua vida, mas hoje trabalha em um centro de apoio católico e tenta fazer o bem. Esta virou uma história de redenção, sobre pessoas que buscam se tornar melhores para Deus, para os filhos e para os maridos e esposas.

    Aliás, é surpreendente a quantidade de crucifixos, de menções a bênçãos e Deus, sem o menor distanciamento crítico. O humor corrosivo da obra original desapareceu: tanto as imagens quanto os atores parecem estar levando os seus papéis muitíssimo a sério. Spike Lee conseguiu criar uma história monótona e mesmo previsível, com enquadramentos pouco inspirados, montagem didática e uma direção de arte atrapalhada na tentativa de combinar elementos americanos e nipônicos. Apesar de todo o sangue, línguas cortadas, crânios partidos e pedaços de pele arrancados, Oldboy – Dias de Vingança é dirigido como um filme de ação genérico, sem vigor nem tentativa de imprimir um traço pessoal.

    Mesmo as cenas mais ontológicas da obra sul-coreana foram dizimadas pelo tratamento apático de Lee, incluindo o famoso plano-sequência da carnificina no prédio. Lee parece não ter familiaridade com cenas de luta, algo visível pelos momentos de combate pouco ágeis e mal coreografados. Os Estados Unidos têm produzido uma porção de obras de violência explícita e questionadora (vide os últimos filmes de Quentin Tarantino, William Friedkin e Andrew Dominik), mas trata-se essencialmente de obras políticas ou satíricas, destinadas ao circuito de arte, com desejo de questionar o próprio retrato da violência. Já Spike Lee não possui a mesma pretensão. É difícil saber exatamente o que motivou essa refilmagem, mas seu filme não incita a reflexão, nem o choque ou o prazer estético.

    Os atores, como dito acima, atuam com uma gravidade sepulcral. Josh Brolin parece acreditar que vai ganhar o Oscar com essa performance. O ator evita qualquer introspecção e parte assim que possível para a histeria, gritando, socando, chorando. Sua versão do protagonista é pura exterioridade, um mar de secreções: Joe está sempre sangrando, urinando, chorando, ejaculando, vomitando. Brolin se arrasta no chão, se afoga no próprio vômito, emagrece e engorda, brinca com ratos em sua boca, arrasta as unhas sujas pelas paredes. Um verdadeiro martírio dramático. Sharlto Copley está constrangedor no papel do vilão caricatural (sotaque britânico, cicatrizes pelo corpo, trejeitos efeminados). A sempre talentosa Elizabeth Olsen é quem se sai melhor no conjunto, talvez por ter um papel mais contido e discreto na trama.

    Para não dizer que tudo são problemas, talvez o maior mérito de Oldboy – Dias de Vingança seja o fato de ter chegado aos cinemas, ou seja, de mostrar que ainda existem grandes produtores nos Estados Unidos dispostos a financiar obras desagradáveis, além de atores famosos prontos para embarcar na trama, e distribuidores e exibidores que apoiam o projeto. O filme pode não cumprir as suas promessas, mas não deixa de sacudir a mesmice do sistema de estúdio, distinguindo-se do puritanismo da maioria das obras americanas. Talvez, se estivesse nas mãos de um diretor mais corrosivo, poderia render um pequeno clássico cult, do tipo que marca o circuito independente de vez em quando – assim como ocorreu com Ken Park, Crash – Estranhos Prazeres e mesmo Faça a Coisa Certa e A Hora do Show, do próprio Lee, na época em que era mais questionador.

    Do modo como foi feito, Oldboy – Dias de Vingança fica no meio-termo. Tem uma linguagem convencional demais para o circuito de arte, mas é violento demais para o grande público. Possui todos os ingredientes temáticos do filme trash, mas é conduzido com a linguagem polida de um suspense policial. Os fãs do original dificilmente vão aprovar esta versão inferior, e quem não gostava da carnificina de Park Chan-wook não tem motivos para repetir a dose. A intenção do projeto poderia ser boa – afinal, o grande público americano dificilmente assistiria a uma obra sul-coreana -, mas o cineasta precisaria ter refletido melhor sobre como adaptar a linguagem e o tema, e sobre como atingir um público específico – fosse ele o circuito de arte, o circuito geral, o público adolescente ou adulto.

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