Lembre-se de Mim
por Francisco RussoUxbal é um homem contraditório. Ao mesmo tempo em que se envolve em atividades ilegais, como a venda de produtos piratas e a negociação da mão de obra vinda de chineses, que chegaram há pouco na Espanha e vivem em condições miseráveis, possui um senso de justiça para com os seus difícil de encontrar em um mundo onde, cada vez mais, reina o individualismo. Uxbal tem ainda duas outras características marcantes: consegue conversar com espíritos, e usa este dom para cobrar de famílias que acabaram de perder entes queridos e desejam uma palavra de consolo, e é pai de duas crianças, Ana e Mateo. O conjunto de tais peculiaridades forma a trama de Biutiful, novo e importante filme do diretor Alejandro González-Iñárritu.
Importante porque, pela primeira vez na carreira, Iñárritu não conta com o apoio do roteirista Guillermo Arriaga. A celebrada parceria rendeu três filmes, os ótimos Amores Brutos e Babel e o bom 21 Gramas, mas seu formato já dava sinais de cansaço. Em todos os filmes a história era dividida em subtramas, ocorridas em paralelo e com personagens que pouco se envolviam. Por este lado, Biutiful é bem tradicional. Sua história é narrada de forma linear, sem flashbacks ou saltos para outros personagens que coexistem no mesmo período de tempo. Com isso Iñárritu demonstra que pode fazer bom cinema sem se prender a uma fórmula, mas ao mesmo tempo comete pecados que tornam seu novo filme, em certos momentos, cansativo.
O maior problema de Biutiful é que sua história é dispersa demais. Há várias subtramas envolvendo Uxbal, apresentadas de forma frouxa, o que deixa a sensação de que o filme simplesmente não anda em determinados trechos. Além disto, perde-se muito tempo na apresentação dos personagens. Fica a impressão de que o filme poderia, fácil, ter uns 40 minutos a menos, sem prejuízo à história que realmente interessa. Vale lembrar que sua duração é de 147 minutos.
Deixando os problemas de narrativa de lado, o que se vê na tela é um Javier Bardem (Uxbal) inspirado. Especialmente quando seu personagem passa a sentir os sintomas da doença, um devastador câncer de próstata que se alastra para os ossos e o fígado. Com pouco tempo de vida, Uxbal guarda para si a doença e tenta, à sua maneira, acertar a situação das pessoas à sua volta. Em especial dos filhos, que estão prestes a perder o pai. Sua luta e expressão de dor, gerando a inevitável dependência alheia, são comoventes. A resposta que tem do mundo à sua volta dá bem o tom do individualismo reinante nos dias atuais.
Iñárritu brilha também em algumas cenas, fortes, que provocam reações na plateia. Um exemplo é a perseguição aos camelôs, importante para a trama e que também ilustra o convívio, por vezes pacífico, entre a alta classe da Catalunha e os de baixa renda. Biutiful ainda aborda de leve a questão do espiritismo, mais pela perpetuação da história de Uxbal do que propriamente pelo lado religioso. Afinal, diante de todos os problemas que enfrenta, o único pedido que Uxbal faz é que se lembre dele.
Um bom filme, de ritmo lento e por vezes cansativo, que conta com alguns momentos inspirados do diretor e uma bela interpretação de Javier Bardem. Ao mesmo tempo, é o pior trabalho de Iñárritu até o momento.