Já não é nenhuma novidade para os fãs do cinema de Martin Scorsese o retrato do crime organizado por uma perspectiva, sim, glamorizada, mas nunca glorificadora. As narrações in-Off, os personagens maiores que a vida, e o olhar frio e desnudado da morte são as principais marcas registradas da carreira do cineasta. Após deixar o gênero criminal de lado para contar outras histórias de seu interesse, agora Scorsese volta a todo vapor em O Irlandês, filme que, apesar de não ser um dos melhores de sua filmografia, talvez seja o mais importante da mesma. Tecnicamente impecável, porém demasiadamente longo(e daquele tipo que você realmente sente a duração), o longa se beneficia imensamente de seu elenco lendário, que conta com nada menos que Robert De Niro e Al Pacino(na sua melhor performance em décadas). A edição da veterana Thelma Shoonmaker até ajuda no cadenciamento das cenas, principalmente no primeiro ato, mas infelizmente a sensação que fica é a de que eles poderiam facilmente ter cortado pelo menos 25 minutos de fita. No terceiro ato, por exemplo, você sente que cada cena está se arrastando desnecessariamente. Todavia, nós temos que aplaudir o fato de um grande cineasta veterano como Martin Scorsese ainda conseguir fazer os seus filmes da forma como quer fazer, pois, para o bem ou para o mal, integridade artística é algo que precisamos preservar. Não é um filme tão aleatoriamente sangrento como outros do diretor, aqui o argumento parece muito mais interessado em examinar os impactos do ato de matar em quem mata, e não somente focar na pura exploração gráfica de quem morre. Joe Pesci retornando de um longo hiato interpretando um personagem completamente fora do padrão de atuação que era até então conhecido, e ele entrega tudo e mais um pouco do que o roteiro pede. Outro destaque do elenco secundário fica por conta de Stephen Graham, o ator britânico quase rouba a cena, se não tivesse a posição ingrata de contracenar com Pacino. Em se tratando de desenvolvimento de personagens, um dos pontos que mais me incomodaram no filme foi a personagem de Ana Paquin, a atriz até que faz um bom trabalho com o tempo de cena que lhe é dado, mas nós nunca conseguimos realmente entrar no drama da relação dela com o pai, mesmo ela se tornando parte integral do arco de Frank, a construção dessa trama paralela não combina muito com outras coisas do filme e soa forçada. Como disse anteriormente, esse pode não ser o melhor filme da carreira do cultuado diretor, na ponta da língua, consigo citar pelo menos sete outros longas que julgo superiores, mas este talvez seja o mais importante de toda sua carreira. The Irishman é o retrato de uma cultura perene, esvaziada, e sem maiores impactos na sociedade de hoje. É a reminiscência de um estilo de cinema que basicamente não existe mais, é o ''farewell'' de titãs. É a meditação destas quatro figuras excepcionais(Scorsese, De Niro, Pacino, e Pesci) sobre a mortalidade e o legado que deixamos para os nossos filhos e os filhos deles. Este é o testemunho final de grandes artistas para o mundo, que carrega algumas lições, recados, mas, principalmente, avisos.