Planeta dos simbiontes
por Francisco RussoAo assistir Venom, tenha algo muito claro em mente: este é um produto comercial escancarado, mais interessado em explorar a popularidade do personagem-título do que propriamente em desenvolver uma história convincente. Algo até mesmo esperado, ao analisar os bastidores do longa-metragem.
Com os direitos do universo do Homem-Aranha em mãos, mas sem a necessária competência para transformá-los em rentáveis aventuras divertidas ao grande público, a Sony fechou um histórico acordo que pôs o Cabeça de Teia, agora interpretado por Tom Holland, no Universo Cinematográfico Marvel. Apesar disto, toda a conjuntura de vilões e coadjuvantes continua sob o guarda-chuva da Sony, que, de olho em lucros maiores, decidiu estabelecer seu próprio universo em torno do Homem-Aranha. Com um detalhe crucial: sem poder usar o Homem-Aranha, preso ao tal acordo de cinco filmes com a Marvel.
Daí nasce o filme-solo do Venom, cuja origem obviamente teve que ser alterada para desligá-lo por completo de seu antagonista dos quadrinhos. Sem uniforme negro nem Guerras Secretas - impossível de ser adaptada nas telonas, diga-se de passagem -, a origem do simbionte é apresentada em poucos minutos, a partir do pouso forçado de uma espaçonave exploratória. Com o ser desconhecido descontrolado, o que inevitavelmente resulta em uma chacina de astronautas, tem início a saga do simbionte em solo terrestre, em busca do hospedeiro ideal, atuando em duas frentes distintas: um foragido, em plena Malásia Central, e os outros trancafiados em laboratório, sujeitos a todo tipo de experiência científica. Sim, foi isso mesmo que você leu: há vários simbiontes neste filme.
Por mais que traga alterações substanciais, a origem dos simbiontes é até aceitável. O problema é a sucessão de "explicações científicas" absolutamente furadas, pelo próprio roteiro: primeiro é dito que ele apenas sobrevive em um hospedeiro que consuma oxigênio, logo em seguida tal condição é esquecida; o simbionte consome os órgãos internos de seus hóspedes, mas com Eddie Brock tal condição torna-se ameaça controlável; a dificuldade em encontrar a simbiose perfeita em laboratório é absolutamente corriqueira mundo afora, seja nas desventuras asiáticas de um deles ou mesmo nas transições de Venom quando esta longe de Eddie Brock. Ou seja, coerência zero.
Entretanto, esta questão está longe de ser o maior dos problemas de Venom. Com ares de filme trash e uma narrativa absolutamente esquemática, o filme o tempo todo transita entre a violência milimetricamente calculada - leia-se, sem sangue - com absurdos irônicos sem qualquer humor, entremeados por cenas de ação estreladas pelo personagem central onde reinam efeitos especiais questionáveis. Por mais que a dualidade entre Eddie Brock e Venom seja interessante no necessário duelo pelo controle do hospedeiro, muito por causa da capacidade de Tom Hardy em compor personagens introspectivos, a própria construção de Brock é apresentada sem inspiração, se valendo de diálogos bobos em situações óbvias, envolvendo um certo idealismo jornalístico. Pior ainda é Michelle Williams, absolutamente desperdiçada em cena.
Em meio a tantos defeitos conceituais, Venom ainda derrapa feio na condução da narrativa. Se a opção por apresentar vários simbiontes serve na concepção da origem do alienígena, este subterfúgio resulta também em uma série de decisões equivocadas de roteiro, seja na criação de um vilão a ser enfrentado ou mesmo nas motivações do simbionte conectado a Eddie Brock. Pífio.
Com tantos problemas, Venom somente atende ao desejo comercial da Sony em explorar seu personagem-título, de alguma forma. Trata-se de um mero produto comercial, sem qualquer compromisso com qualidade, que deseja apenas faturar em cima da atual onda de super-heróis e da própria popularidade de seu anti-herói, advinda dos quadrinhos. Se após a sessão ainda houver alguma dúvida sobre isto, basta aguardar a cena pós-créditos, das mais picaretas (e comerciais) já feitas na história do cinema - ironicamente, também muito melhor que o filme em si. Mas isto, no fim das contas, não é um grande mérito.