Imagino que deve ser impressionante, ao leitor contemporâneo, sobretudo aos bem informados, tolerantes, racionais e sábios, burilados por boas leituras e/ou reflexões lógicas e amplas, saber que o grande escritor Irlandês Oscar Wilde, apontado como o pai do decadentismo na Inglaterra, foi preso, indiretamente, por esta grande obra: O Retrato de Dorian Gray. Na verdade não necessariamente pela obra em questão, todavia, já pelos rumores cada vez mais crescentes sobre sua sexualidade, que naquela época era visto como “prática” pecaminosa, inadequada, imoral, imprópria... Se pararmos para analisar, nesse sentido, muita coisa infelizmente não mudou no pensamento da sociedade atual, no que tange à sexualidade em suas muitas e naturais manifestações e condições, tanto que o próprio Oscar Wilde, mesmo contra sua real natureza, casou-se à época, como muitos ainda fazem atualmente, para fugir do medo, do julgamento, do desprezo, da ignorância, da intolerância e do desrespeito daqueles que, assim como naquele tempo e século, ainda hoje igualmente insistem em manter pensamentos, conceitos, crenças e idéias para lá de irracionais e injustificáveis quando o assunto é homossexualidade, em síntese, um verdadeiro absurdo.
Esta obra, O Retrato de Dorian Gray, tornou-se um símbolo da juventude intelectual e de suas críticas à cultura vitoriana, despertando grande polêmica em relação ao seu conteúdo homoerótico. Que o livro é um primor da literatura é inquestionável, aliás, a genialidade de Oscar Wilde impressiona o leitor até mesmo em sua fase mais difícil, quando o escritor, deprimido, doente, humilhado, preso tão somente por amar (!?) um rapaz e diga-se, aproveitador e ardiloso jovem, que não correspondeu à altura todo o sentimento e dedicação que recebeu de Wilde, escreve em sua fria cela o pungente e belíssimo poema: “A balada do Cárcere de Reading.”
O filme, dirigido por Oliver Parker, proporciona ao espectador doses de romance, drama, suspense e terror, sem ruir para nenhum dos exageros que cada um dos gêneros poderia suscitar, tirando é claro poucas passagens desnecessárias e até risíveis, como por exemplo, no instante em que o quadro pintado manifesta-se numa imagem quase satânica, tal passagem era para ser assustadora, mas não foi. A história original de O retrato de Dorian Gray, por si só fascinante, já seria meio caminho andado para que o filme não deixasse a desejar. E, de fato, não deixa tanto. A fotografia é excelente, o figurino é impecável, além da boa retratação da requintada Londres vitoriana. O filme começa com ótimo ritmo, porém, vai perdendo seu gás até o desfecho, talvez tenha sido um recurso intencional do cineasta, explicitando o tédio e o cansaço de uma vida de excessos, frieza, exageros e egocentrismo sobre a história fictícia de um jovem chamado Dorian Gray, na Inglaterra aristocrática e hedonista do século XIX, que por sua beleza torna-se modelo para uma pintura do artista Basil Hallward (atuado pelo ator Ben Chaplin, que se mostra muito confortável no papel, com atuação significativa, contendo e reprimindo arduamente sua paixão por Dorian). Sendo assim, Dorian tornou-se uma fonte de inspiração para o pintor, tal como para outras obras e, implicitamente no filme, mostra a paixão platônica por parte de Basil (dai tiramos toda a tensão homossexual latente no filme). O vencedor do Oscar, Colin Firth, representa com grandiosidade o seu papel, confirmando seu ótimo momento artístico, só poderia ser menos clichê se não tivesse aquele bigodinho horrível, intencionalmente para dar-lhe um ar diabólico, astuto, de homem conhecedor da vida, ainda assim, não chega a tirar todo o charme inato do ator, que vive o papel de Lord Henry Wotton, um aristocrata cínico e hedonista típico da época e grande amigo de Basil. O Lord então conhece Dorian, o seduz, com suas ideologias, exaltando a sua visão pessoal do mundo, onde o único propósito que vale a pena ser perseguido é o da beleza e do prazer, numa espécie de ressurreição dos ideais helênicos. A chegada de Dorian Gray ao HellFire Club, após a morte do seu rico pai, mostrará isso, numa câmera por vezes subjetiva, que passeia pelo submundo da cidade de Londres do século XIX. O filme não chega a ser um primor da sétima arte, até mesmo porque não é fidedigno à intenção de Wilde, pois coloca em segundo plano as discussões em que Oscar Wilde estava de fato interessado, que era discorrer sobre estética versus moral e especialmente sobre alteridade, as nossas relações de troca com o outro e a relação do objeto artístico com o seu apreciador ("na realidade, a arte reflete o espectador, e não a vida", diz Wilde no prefácio do livro em que o filme se baseia). Contudo, a produção do filme é, de forma geral, cuidadosa e pode até ter um resultado mais interessante se fizer com que os cinéfilos, ainda não conhecedores do livro, tenham interesse em lê-lo e, assim, concluir que a obra cinematográfica deixou a desejar em alguns aspectos em relação à grande obra literária, que, aliás, é o único romance de um dos mais interessantes autores que o mundo já teve.