Fica muito clara a estratégia por trás da premissa do filme: partir de um imaginário de devastação causado pelos dois últimos Vingadores e, como uma necessidade óbvia dentro da temática e da lógica de produção da franquia, aumentar a escala do problema a uma perspectiva cósmica e sobre-humana. Não deixa, com isso, de seguir a mesma estratégia Marvel de muito tempo. O filme que vem a seguir precisa sempre ser maior, mais importante, as consequências do fracasso dos heróis precisam assumir maior drasticidade.
Chloé Zhao escapa da ação no espaço urbano em direção a ambientes paisagísticos, mais abertos, nos quais se sente mais à vontade para explorar suas predileções como cineasta. Essa renovação dos espaços também funciona na ideia de um aumento de escala nos conflitos em tela. Saímos do urbanizado, do cotidiano das cidades como palco para a destruição nos confrontos, em direção a uma magnitude geográfica de consequências cósmicas. É no meio destas paisagens rochosas que Zhao consegue posicionar sua câmera da maneira que melhor entende no intuito de abordar as potencialidades da imagem. Algo que estabelece uma dialética até interessante entre os relevos milenares e a perenidade de seus personagens, ainda que estes não reneguem completamente a caracterização visual pasteurizada presente em tantos filmes do MCU.
O grande problema acaba sendo o fracasso do filme em articular qualquer empatia a respeito das ações que se sucedem. Tal identificação do público com os dilemas dramáticos da narrativa não seria realmente mandatório caso a abordagem padrão do MCU não fosse tão afeita a uma pseudoverossimilhança, e, pelo contrário, conseguisse abraçar a encenação mais artificializada como o propósito explícito do filme. Como basicamente tudo o que a Marvel fez na última década busca esse realismo dramático em narrativas altamente ficcionais (realismo este que existe até mesmo na atitude dos seus filmes com relação ao humor), surge naturalmente uma necessidade de convencimento através da conexão sensível entre o seu espectador e as potenciais subjetividades (nem sempre tão subjetivas) no entorno da temática do filme em questão.
E é nesse sentido que Eternos não consegue desenvolver qualquer comoção sincera na relação entre seus personagens sobre-humanos e os habitantes nativos da Terra. Parece sempre existir uma imensa barreira em qualquer relação afetiva no filme. Não há como denotar um sentimento que ultrapasse a mera sugestão verbal em tela a respeito da preocupação desses personagens com a humanidade. Zhao fracassa ao não conseguir estabelecer suas paisagens como palco para essa tentativa de dramatização existencialista, pois, ainda que saiba muito bem como resolver tecnicamente seus planos nesse ambiente um tanto alheio ao padrão do MCU, o resultado em tela sempre soa incipiente quando surge a sugestão de alguma abordagem sensível e filosófica a respeito dos significados de sua trama.
Além dessa incapacidade da diretora em aliar suas predileções estilísticas a uma necessidade de dramatização na subjetividade da temática, os alívios cômicos (isso já um problema que vai muito além de Eternos) são anestésicos patéticos de qualquer conexão sentimental no filme. Seja na relação do personagem de Nanjiani e seu empregado, ou na de Sersi com seu namorado, há um utilitarismo dessas dinâmicas como mera caricatura do que se deseja estabelecer como humano no filme. Quanto tenta abordar algum drama mais consequente da devastação que se aproxima, isso se reduz a meras frases rápidas e prontas do tipo “você deveria estar com sua família agora”. Talvez a única abordagem que realmente funcione nesse ponto é a da dinâmica de Phastos com sua família, justamente por ali existir uma verdadeira renúncia do caráter intrínseco ao sobre-humano do personagem em prol de uma relação propriamente humanizada. Ainda assim, são breves momentos, funcionando como mera nota de rodapé na esterilidade de outras relações dramáticas e, por fim, também acabam prejudicados pela repetição desse humor espertinho e autoconsciente do MCU.
No mais, há algo que se apresenta de fato como uma transgressão, ainda que breve e, possivelmente, já apagada no imaginário do fã padrão do MCU, sempre mais afeito por uma cena pós-créditos que lhe garanta algum conforto por existir um futuro dentro desse universo narrativo do que realmente preocupado com alguma abordagem que fuja do padrão pasteurizado destes filmes. Acontece que Eternos entrega um potencial suicídio de um dos principais personagens da trama, como que envergonhado pelas suas ações. Tal ato poderia elevar o filme de Zhao a algo muito maior, numa visão inovadora ao romper com a zona de conforto sempre presente nas resoluções dos filmes da franquia. Contudo, não deixa de ser outra nota de rodapé, um mero episódio que nem se concretiza como algo realmente desolador em tela, pela quantidade de epílogos e pequenas piadas que o filme ainda precisa entregar antes que as luzes da sala de cinema tornem a se acender.
Eternos poderia ser um filme muito mais interessante se, como dito, assumisse de vez a totalidade de sua história no entorno destes personagens sobre-humanos, em detrimento de qualquer preocupação maior com a dimensão humana-existencial que busca desenvolver. Percebe-se bem como alguns desses personagens possuem potencialidades cênicas que poderiam ser um terreno fértil para a exploração mais frontal, renegando certa verossimilhança padronizada pelo MCU. Contudo, soa até anacrônico cobrar isso de um filme que está completamente introjetado na lógica Marvel de produção.