A Parte pelo Todo
por Francisco RussoSe há algo que não se pode dizer de Ang Lee, é que ele seja repetitivo. Da Inglaterra do século XIX (Razão e Sensibilidade) ao velho oeste americano (Cavalgada com o Diabo), de um super-herói dos quadrinhos (Hulk) ao wuxia (O Tigre e o Dragão), de um libelo gay (O Segredo de Brokeback Mountain) a um filme com cenas tórridas de sexo heterossexual (Desejo e Perigo), a diversidade tem sido marca registrada de sua carreira. Aconteceu em Woodstock, seu novo filme, mais uma vez traz algo de novo em sua filmografia.
O interesse de Lee não é propriamente apresentar os bastidores do mítico festival de Woodstock, mas mostrar o que estava por trás dele na sociedade de momento. Seu foco é o lado humano, em especial os preconceitos e até que ponto eles podem ser relevados devido ao lado capitalista. Sim, o princípio de tudo, quando é definido o local onde Woodstock ocorrerá e sua organização às pressas, é mostrado. Mas o evento em si é apenas coadjuvante, jamais sendo exibido de frente. O diretor prefere mostrar o extenso engarrafamento causado, por exemplo. Ou a invasão de milhares de hippies, em contraste com a população tradicional da pequena cidade onde ocorre. Ou ainda a festa por eles gerada, com uma diversão muitas vezes simples e até ingênua. O sentimento dos envolvidos é mais importante do que os fatos em si.
Esta opção dá ao filme a característica de ser mais do que uma mera biografia do ocorrido. É através do personagem Jake Teichberg, interpretado pelo pouco conhecido Henry Goodman, que a trama se desenvolve. Obrigado a retornar a sua cidade natal para salvar da ruína financeira o hotel dos pais, ele se destaca na envelhecida sociedade local mas é na verdade um estranho no ninho. Está ali se sacrificando, como mais adiante o filme explicita. Seu primeiro encontro com Michael Lang, organizador de Woodstock, é uma mescla de empolgação com fascínio por aquele mundo. Jake não estranha aquele universo, tão atípico para os moradores locais, justamente porque a ele pertence. Só que ninguém sabe, pela repressão implícita imposta pela sociedade.
Este contraste é muito bem representado pelo relacionamento existente entre Jake e sua mãe, interpretada com maestria por Imelda Staunton. Mesquinha e autoritária, ela ao mesmo tempo em que exige a presença do filho para auxiliá-la não o valoriza o suficiente, em uma clara dificuldade em manifestar seus sentimentos. Sua resistência aos costumes dos visitantes é logo deixada de lado em nome do dinheiro por eles gerado, o que traz ainda outro importante lado da sociedade americana: o capitalista. Tudo vale a pena quando a quantia não é pequena.
O grande senão de Aconteceu em Woodstock é, curiosamente, quando acontece o festival. Não devido à ausência de sua programação oficial em cena, mas pelo lugar comum que certas vezes o filme segue. Um exemplo. É inevitável que as drogas sejam não só citadas como também mostradas, só que uma extensa cena em que Jake as utiliza e viaja, vendo tudo turvo, é um grande clichê sobre o assunto. Nestes momentos o filme perde o interesse, por mostrar mais do mesmo.
Ainda assim, vale a pena ser visto. Para acompanhar um olhar sobre os conflitos invisíveis da sociedade americana na década de 60 e a lenta transformação que nela ocorria, mesmo sem ser notada por muitos. E também para conferir o desempenho de Imelda Staunton, candidatíssima ao Oscar de atriz coadjuvante.