Ciclo sem fim
por Lucas SalgadoEspera-se sempre muito de um filme de Terrence Malick, menos que seja ordinário. O cineasta tem 38 anos de carreira e apenas cinco longas realizados. Ao contrário do que possa parecer, a pouca produtividade não depõe contra o diretor, uma vez que o fato de realizar poucos filmes tem colaborado em gerar nos mesmos uma aura de algo diferente, especial. É claro que isso só é possível graças a um estilo de direção único e um trabalho metódico e dedicado.
No mundo do cinema, a regra é o diretor dirige, o produtor produz e o roteirista escreve, mas Malick faz bem mais que isso. Ele compõe um filme da mesma forma como um maestro conduz uma sinfonia. Todos os elementos são muitíssimo bem pensados, como a fotografia, a edição, a trilha sonora, o som, a mixagem, os efeitos visuais e por aí vai. Além disso, não se preocupa em colocar em cena seus conhecimentos e reflexões como filósofo de formação. É claro que também está sujeito a erros, como comprovou o mediano O Novo Mundo, prejudicado pela longa duração e por uma atuação falha de Colin Farrell, mas é inegável que quando acerta o faz em patamares memoráveis. Este é o caso de A Árvore da Vida, vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes 2011 e melhor filme da brilhante carreira de Malick.
Com os astros Brad Pitt e Sean Penn à frente do elenco, o longa não é nada fácil de digerir - como a vida - mas até por isso merece ser visto e revisto. Após a primeira exibição no evento da Riviera francesa, tentou-se classificar a produção como uma espécie de filme-espírita ou religioso, mas acho que só vê por este caminho quem de fato não compreendeu a intenção do diretor. Diferentemente do que possa parecer, The Tree of Life (no original) não é um longa sobre a morte, mas sim sobre a vida. De fato, o longa centra suas atenções no efeito que uma morte pode causar em um núcleo familiar, mas o foco aí não é em momento algum o falecido e sim os sobreviventes.
O filme não segue uma estrutura linear ou didática, exigindo atenção e reflexão do espectador. Assim, traçar uma sinopse da história seria de um reducionismo imenso, cabendo a você leitor assistir à produção e tirar suas próprias conclusões. Não há defesa de dogmas católicos, evangélicos ou espíritas, há um ciclo de vida não só de uma família, mas também de um planeta.
Quatro vezes indicado ao Oscar, o diretor de fotografia Emmanuel Lubezki (Filhos da Esperança) realiza aqui seu trabalho mais notável, sendo possível imaginá-lo recebendo sua primeira estatueta. É bem verdade que é auxiliado por cenários majestosos e efeitos visuais impressionantes, mas as próprias cenas internas demonstram o talento do profissional. Em determinado momento, a câmera pega o personagem de Pitt e sua esposa (Jessica Chastain) como se estivessem no mesmo cômodo, mas ela, na verdade, é vista através do reflexo da janela. A primeira vez que vemos o personagem de Penn na história também é brilhante, com a cena dele e sua esposa (Joanna Going) vagando por uma grande casa. Os dois aparecem diversas vezes no mesmo plano, mas nunca estão lado a lado.
Além da fotografia impecável, o longa possui uma edição digna de elogios. Com um trabalho feito a dez mãos (sim, foram cinco os responsáveis), a edição coloca em prática o idealizado por Malick. É curioso ver o nome de Daniel Rezente dentre os editores, afinal é difícil acreditar que o mesmo profissional que montou Cidade de Deus e Tropa de Elite tenha participado de um trabalho tão contemplativo, o que só comprova o talento do brasileiro. A trilha sonora de Alexandre Desplat (O Discurso do Rei) também merece destaque, com temas clássicos que colaboram com o espírito da obra.
Ao retratar o ciclo familiar do sr. e da sra. Obrien (Pitt e Chastain) em Waco, no Texas, A Árvore da Vida abrange mais do que a relação destes com seus filhos, mostrando também os efeitos da natureza e da fé sobre um grupo de pessoas.
Enquanto que a personagem de Jessica Chastain é uma figura quase que angelical, o de Pitt se mostra mais duro e disciplinador, mas sem em nenhum momento cair na caricatura. Na verdade, é provável que o espectador sinta até um pouco de pena da forma como o pai é tratado pelos filhos, em especial pelo mais velho. Por mais que seja rígido, o pai dá diversas demonstrações de carinho pela prole.
É triste, mas também curioso, saber que Heath Ledger iria interpretar o Sr. Obrien, com Pitt sendo chamado para o papel após a sua morte. O longa viveu na prática aquilo que defende e explora em cena, mostrando que aqui a ficção não está tão distante da realidade.
A Árvore da Vida conta com tantos elementos que fica difícil escrever sobre o mesmo tendo visto-o apenas uma vez. É impressionante o número de assuntos abordados e momentos marcantes. Um corpo estirado ao fundo, um olhar de ciúme do irmão, a curiosidade de um bebê ou de um adolescente, está tudo lá. Um filme único que escreve seu nome na história da sétima arte.