A CARTA NA MANGA
por Roberto Cunha"Não sou católico, não sou judeu, minha religião é a constituição dos Estados Unidos da América".
É muito bom ouvir uma frase que soe tão forte e seja tão fraca em significado como essa dita na ficção Tudo Pelo Poder. Ruim é saber que ela é proferida, com algumas mudanças, em diferentes países e por políticos da pior espécie na vida real.
Stephen Myers (Ryan Gosling) é um idealista e dedicado assessor de imprensa do governador Mike Morris (George Clooney). Apaixonado por política, ele faz parte do time de Paul Zara (Philip Seymour Hoffman), uma verdadeira raposa política que toca a campanha pela indicação à presidência. Só que ambos têm pela frente o desafio de derrubar o candidato concorrente, defendido pelo igualmente astuto Tom Duffy (Paul Giamatti). E nessa batalha pelo poder, vale tudo, o que está escrito e - principalmente - aquilo que não se escreve.
Adaptação da peça da Broadway "Farragut North", de Beau Willimon, o longa é denso e bem próximo da realidade. Embora ficção, não faltarão para os espectadores mais atentos, semelhanças com políticos de um passado nem tão distante assim, como Bill Clinton, e do presente, como Barack Obama. E engana-se quem acredita que isso só acontece por lá.
Crença, ceticismo, integridade, amizade, dignidade, lealdade, politicagem, traição, vingança, sexo, aborto, segredos e pressão. Muita pressão habilmente pulverizada em personagens interpretados por um elenco de jovens e veteranos, que interage com extrema facilidade. Destaque para Gosling e Evan Rachel Wood, competente no papel de Molly (sem trocadilhos), uma estagiária da equipe.
A edição enxuta de Stephen Mirrione (trilogia Onze Homens e um Segredo) e a trilha do premiado Alexandre Desplat, de dezenas de sucessos como O Curioso Caso de Benjamin Button e o recente O Discurso do Rei, são "a cereja do bolo bem batido" por Clooney, que dirige e atua pela quarta vez.
Um drama que tem o viés político que parece encantar o astro, mas acima de tudo, tem uma dose de suspense bem interessante, deixando para o espectador o único papel de se envolver numa trama bem amarrada e sórdida o suficiente para surpreender em seu clímax.
Bem vindo ao jogo sujo do poder, onde reza a lenda que "quem erra não pode mais jogar", mas se nem todas as cartas estão na mesa, quem garante que uma surpresa não sairá de alguma manga?