A Marvel Studios estabeleceu um novo parâmetro para o conceito de continuações no cinema, conseguindo repetir na tela grande a mesma façanha tão bem sucedida dos quadrinhos: franquias diversas com personagens distintos que se relacionam entre si, não restando dúvidas de que fazem parte de uma mesma ambientação. Em Homem-Formiga, isso ocorre desde os primeiros segundos da projeção. Mais adiante, fica estabelecido, por meio de um breve diálogo, que o que estamos vendo está acontecendo pouco tempo depois daquele filme que vimos há alguns meses. Em outros momentos, os fatos parecem servir menos à narrativa do personagem-título, e mais como um epílogo-prólogo-interlúdio desse universo compartilhado, nos deixando a par de como estão as coisas diante do que já foi mostrado e, ao mesmo tempo, servindo como indicativos para o que virá, não em um, mas em vários outros filmes que estão a pleno vapor sendo muitíssimo bem planejados e realizados, de maneira que, ao final, copreendamos que, sim, tudo faz sentido.
Esse festival de conexões, no entanto, não é tão bem visto assim por uma parcela da crítica, que enxerga nas intervenções apenas uma propaganda gratuita para os próximos episódios, que em nada acrescentaria ao filme que pagamos para ver. De fato, há uma sensação incômoda nesse sentido quando se assiste Thor (2011), um dos ‘menos melhores’ filmes do estúdio até agora. Contudo, desde que Tony Stark surgiu nas telas pela primeira vez, em 2008, dando início a toda essa epopeia de (muito) sucesso, houve uma notável evolução na construção dessas interligações, bem como na quantidade de eventos que estão engatilhados para ‘explodirem’ diante dos olhos da plateia a partir do ano que vem, com a chegada da ‘fase três’ da Marvel no cinema. A melhor dica para o expectador de Homem-Formiga, portanto, é relaxar e curtir esta ‘revista em quadrinhos cinematográfica’ leve e engraçada, que conta mais uma divertida história de origem e que, de bônus, te dá um gostinho das ‘próximas edições’, que prometem esquentar.
Scott Lang (Paul Rudd), recém-saído da prisão, quer deixar essa vida de ladrão para trás e se endireitar. Mas a necessidade financeira, motivada pela preocupação com a pensão atrasada de Cassie (Abby Ryder Fortson, de apenas sete anos), a filhinha que ama, além do risco judicial de não mais poder vê-la, o faz aceitar mais um trabalho ‘do ramo’. Este novo roubo o leva a conhecer o Dr. Hank Pym (o veterano Michael Douglas) que, por sua vez, lhe fará uma outra proposta, numa escala maior, ou devo dizer... menor, envolvendo um projeto científico que criou! Pym, juntamente com sua bela filha Hope Van Dyne (vivida por Evangeline Lilly, a inesquecível Kate do seriado Lost) ajudarão Lang em seu treinamento para aprender a dominar as habilidades recém-adquiridas – por meio do precioso ‘macacão de motoqueiro’ – e, assim, impedir que o apático vilão Darren Cross (Corey Stoll), venda este mesmo projeto no ‘mercado negro’, entre outras maldades que os vilões costumam cometer... Surge, portanto, o grande Homem-Formiga!
O tema do longa por si só, a miniaturização, já pede por uma abordagem cômica, vide Querida, Encolhi as Crianças (1989), Viagem Insólita (1987) e, talvez o primeiro deles, O Incrível Homem Que Encolheu (1957, embora esse trouxesse também uma forte carga dramática) entre vários outros. De acordo com a criatividade (e os recursos) dos realizadores, há uma quantidade enorme de situações bizarras envolvendo pequenos seres e objetos que, vistos sob uma outra ótica, podem ganhar uma dimensão absurdamente impactante... e divertida. Assim sendo, os dois “PR” deste filme, o protagonista Paul Rudd e o diretor Peyton Reed, ambos egressos de comédias, acertam o tom e seguram bem a inevitável veia humorística que acompanha toda a narrativa, principalmente quando a espetacularização das diminutas cenas é vista também sob a nossa perspectiva, salientando, por exemplo, a ridicularidade (aqui no bom sentido) de uma épica batalha ambientada sobre um... trenzinho de brinquedo.
Como era de se esperar, a computação gráfica cria cenários surpreendentes, como a banheira que, vista por um Lang miniaturizado, mais parece um piscinão, e a água que cai da torneira, uma ameaçadora cachoeira. O longa permite até rápidos momentos ‘meigos’, como o carinhoso tratamento dado à algumas formigas, sendo comparadas à cãezinhos de estimação. Há ainda uma belíssima sequência visual na qual a diminuição se prolonga a níveis celular, molecular, atômico, sub-atômico...
A decisão mais acertada do filme, porém, em meio a tantos efeitos (e a despeito de algumas ‘escapadas’ do roteiro), foi abordar um pouco mais a fundo – mas sem cair no piegas – as duas relações entre pai e filha que a trama apresenta, com o passado mal resolvido entre Hank e Hope e, principalmente, com a admiração mútua entre Scott e Cassie. A baixa estatura não impede a garotinha de enxergar alto, e já idealizar o pai como um herói, apesar das ressalvas da mãe, Maggie (Judy Greer, outro rostinho conhecido de tantas comédias). Mas, no fundo, a ex-esposa de Scott também sabe que ele, de fato, não é mal-intencionado, e está tentando melhorar. Os eventos que se sucederão irão mostrar que, sim, todos merecem uma chance. Homem-Formiga, afinal, é também, porque não, um belo filme-família.
Embora pareça um herói menor (com o perdão do trocadilho tão batido), o filme sugere que será grande a relevância do Homem-Formiga – e de alguns outros personagens mostrados neste longa – nos ‘próximos episódios’ da Marvel no cinema, como foi exposto nos dois primeiros parágrafos deste texto. Os créditos finais (além das tradicionais cenas durante e após a execução destes) já denunciam, decretando: “O Homem-Formiga vai voltar!” Estejamos com os olhos bem abertos para não perdê-lo de vista!