Ao ritmo do jazz
por Francisco RussoToy Story foi um divisor de águas para o cinema de animação. Não apenas pela excelência do roteiro, mas principalmente graças à estreia da animação computadorizada. Desde então a animação tradicional, em 2D e com desenhos feitos a mão, foi relegada a segundo plano. A Disney, ícone maior do gênero, parou de produzir filmes neste estilo. Apenas projetos alternativos, como As Bicicletas de Belleville, ou vindos de escolas estrangeiras tradicionais, como A Viagem de Chihiro, mantiveram-se fiéis. É curioso notar que aquele que despertou esta transformação é justamente quem agora realiza o caminho inverso: John Lasseter.
Lasseter é o homem por trás da Pixar, diretor de Toy Story e Carros, que agora está no comando do setor de animação da Walt Disney Pictures. Foi ele que, logo ao assumir o novo cargo, batalhou para que o estúdio voltasse a trabalhar com o estilo de animação que o consagrou. Para tanto não bastava apenas fazer um filme neste formato, mas resgatar o que fez dele um sucesso. Personagens carismáticos e divertidos, canções cativantes, a magia da Disney e, é claro, uma princesa. Tiana entra para o rol das personagens emblemáticas do estúdio com uma particularidade especial: a cor da pele.
Foi um ato arriscado. Não por Tiana ser negra, mas porque provocar esta diferenciação e usá-la para promover o filme é também uma forma de racismo. Da mesma forma como alijar os negros de determinados meios ou personagens é preconceituoso, colocá-los e usá-los para se exibir, ressaltando esta situação, não é muito diferente. Felizmente, não é o que acontece com A Princesa e o Sapo. A questão racial é abordada apenas implicitamente, ao observar a plena miscigenação existente na Nova Orleans retratada. Uma cidade plural não apenas por isto, mas também por sua efervescência musical. E este é um dos pontos principais do filme.
O lado musical sempre foi um ponto importante das animações com a assinatura Disney. Quem não conhece "Hakuna Matata", de O Rei Leão, ou "Heigh-ho", de Branca de Neve e os Sete Anões? Aqui o alvo é jazz, símbolo de Nova Orleans, que se torna crucial pela sua influência em vários personagens. A começar pelo príncipe Naveen, um boêmio que chega à cidade disposto a encontrar uma noiva rica que possa sustentar sua vida de diversão. Ou ainda Louis, o crocodilo trompetista, cujo nome é uma óbvia homenageam a Louis Armstrong. A trilha sonora, composta pelo craque Randy Newman, traz canções mais agitadas e deliciosas ao ouvido alheio. Ponto para o filme.
A história também agrada, pelo aproveitamento de uma situação clássica dos contos de fadas: o beijo da princesa que faz com que o sapo vire príncipe. A inversão apresentada abre um novo leque de opções, explorada em sequências divertidas e repletas de referências aos antigos filmes da própria Disney. O ambiente sombrio lembra O Corcunda de Notre Dame, por exemplo. Os personagens do pântano, Bernardo e Bianca. O vilão Dr. Facilier tem um quê de Jafar, de Aladdin. Fora toda a ambientação, que remete à época áurea da animação do estúdio.
A Princesa e o Sapo se divide entre estes dois lados: a reverência ao tradicional e a atualização ao ritmo moderno, através de seus personagens e a própria trilha sonora. É um filme que, em certos momentos, encanta. As lições de moral e a mensagem sobre o amor verdadeiro estão lá, mantendo mais uma tradição Disney. Afinal de contas, por mais que o estúdio do Mickey tente se atualizar, certas características permanecem eternas. A Princesa e o Sapo mostra bem isto. É um filme que recupera o que a Disney fez de melhor, mostrando que ainda hoje há espaço para este tipo de cinema. Bem-vindo de volta.