A delicadeza do amor
por Bruno CarmeloO título do filme francês A Delicadeza do Amor serviria muito bem para descrever Todos os Dias, projeto tão ambicioso quanto minimalista do diretor Michael Winterbottom. Por um lado, o britânico teve a ideia inusitada de diluir as filmagens ao longo de cinco anos, gravando poucas semanas por ano, para captar o crescimento das crianças e o envelhecimento dos adultos. Por outro lado, a trama do filme inteiro caberia em um post-it: uma mãe de quatro crianças conta os dias para o retorno do marido, preso por razões desconhecidas.
A produção poderia optar pelas soluções típicas de Hollywood: maquiagem e direção de arte para mostrar a passagem do tempo, melodrama para retratar a solidão de uma mulher afastada do homem que ama. Mas nada é hollywoodiano neste filme que prefere a textura suja e amadora da imagem digital de baixa qualidade, os sons estourados do vento no microfone, a imagem tremida, a luz natural. O início lembra o extremismo estético do Dogma, de Lars von Trier e cia., mas logo aparecem a trilha sonora melodiosa, as cenas pastorais impressionistas, e outros indícios poéticos de que Winterbottom, neste projeto, estava guiado por um grande coração.
Isso porque Todos os Dias (título belíssimo, muito apropriado) é acima de tudo um filme pudico, nunca catártico – aliás, os fãs de gritos, choros e romances novelescos ficarão decepcionados. O cineasta confere grande atenção a cenas que, na maioria dos filmes, seriam cortadas na montagem: Karen escova os dentes, almoça, trabalha, leva às crianças à escola, volta para casa. Ela também visita o marido na prisão, com frequência, embora diga poucas palavras e se contente em observá-lo de perto.
A maior surpresa de Todos os Dias vem da maneira como o roteiro elimina as reviravoltas para manter uma abordagem direta e afetiva. A prisão é retratada sem violência, as drogas são citadas sem conotação moral, o sexo entre marido e esposa separados há anos não é sedento e impulsivo, mas hesitante, calmo, silencioso. As quatro crianças pequenas não brigam entre si, pelo contrário, elas se ajudam, com os mais velhos cuidando dos mais novos. Nem mesmo o ônibus chega atrasado, ou patrão reclama do atraso. “Tudo vai ficar bem”, parece dizer o cineasta a cada nova cena, cada nova estação do ano que desfila na tela.
O excesso de otimismo pode ser criticado pelos espectadores mais puristas – como também foi atacado em obras igualmente singelas, como História Real ou Mais um Ano – mas parece que Winterbottom quer fazer da passagem do tempo o único conflito de seu filme. Os personagens não temem a miséria ou a falta de emprego. A única coisa que preocupa Karen e Ian é o tempo que os separa, até poderem viver juntos novamente. Por isso é tão importante repetir o despertar das crianças, os trajetos em ônibus, as caminhadas pela estrada. O desgaste e a repetição são os próprios temas deste drama.
Em um projeto tão dependente das atuações quanto este, a escolha de Shirley Henderson para o papel principal foi um verdadeiro trunfo dos produtores. A atriz britânica já mostrou que consegue ser lacrimosa, como nos filmes de Todd Solondz, mas ela adota uma postura contida, capaz de fazer o espectador acreditar que Karen é forte o suficiente para educar sozinha quatro crianças, e melancólica o bastante para embarcar em um relacionamento com um colega de quem não gosta realmente. Os momentos em que Karen encontra o marido na saída da prisão são espetaculares. John Simm, mais expansivo, contrasta com os gestos mínimos de Henderson e compõe a dinâmica do casal.
É de se espantar que, mesmo rumo ao fim, Winterbottom negue ao espectador um clímax mais intenso, um ápice emocional. O cineasta mantém com firmeza a linearidade da sua narrativa, sem proporcionar um único momento em que o público possa expurgar as emoções. O choro preso na garganta pode ser decepcionante para alguns, ou ainda mais impactante para outros. De qualquer maneira, ao fim da projeção, ficaram gravadas na memória a triste melodia que acompanha o filme e o rosto cansado, mas confiante, de uma mulher apaixonada.