Em certo ponto de “O Lobo de Wall Street”, seu protagonista, o incansável Jordan Belfort fala algo como “nós somos depravados mesmo”. Outra frase não poderia resumir tão bem a tônica do novo filme de Martin Scorsese, onde os excessos se fazem presente, e mais: são necessários, imprescindíveis. Talvez por isso o filme seja de uma perspicácia tremenda, desde o código humorístico contido no título até à montagem frenética, que parece nunca parar, nem por um minuto sequer. E mesmo quando para, dá a impressão de poder surpreender o telespectador com um grito ou um susto a qualquer momento.
Scorsese tem muitos méritos no êxito do filme, ainda mais vindo do primeiro filme infantil de sua carreira praquele que talvez seja o seu mais subversivo, mas, o grande destaque mesmo é o roteiro inteligentíssimo de Terence Winter. Subvertendo em diversas maneiras a trajetória de seu protagonista, há pouquíssima ou nenhuma menção para aliviar a barra de Belfort, uma vez que tudo em torno dele está lá pra assumir o quão desprezível ele realmente é. Leonardo DiCaprio consegue atingir exatamente tudo o que lhe é exigido e é o auge de sua interpretação na parceria com Scorsese. Ele além de desprezível, é nojento, grotesco, mas, mesmo assim, é muito fácil entender o fascínio motivacional que causa em todos ao seu redor.
Milagrosamente sem mortes, as 3h de “O Lobo...” podem ser repetitivas, de certa forma, mas não há um momento sequer obsoleto. O filme é excesso, e a duração excessiva faz parte da intenção final para que seja possível entrar naquele delírio todo. A montagem é um declarado caos. Mas não saberia definir até que ponto essa maneira caótica de encadear as cenas é proposital (até porque há erros de continuidade no filme), mas, por mais apressada que ela possa parecer, e mais calma quando não há necessidade (e é), nunca prejudica o filme propriamente dito, porque, é até possível dizer, sua edição é uma dos grandes motivos para as imersões nessa loucura mostrada aqui.
Quando os coadjuvantes se fazem essenciais, um ou outro acaba se destacando. O fato é que a interpretação de Jonah Hill aqui é simplesmente a melhor de sua carreira até agora. Sempre achei um certo surto coletivo seu sucesso com “Moneyball”, há alguns anos atrás, mas aqui ele se justifica como um ótimo ator. Impagável, cria algo que é praticamente um sidekick de Jordan Belfort, mas que é essencial na trajetória do personagem. E já que estamos falando dos personagens que gravitam em torno do ponto central, o que é a participação de Matthew McConaughey? Definitivamente, pequena demais, faz querer muito mais daquele personagem.
Moralmente repreensível, subversivamente imprevisível e muito, muito divertido, o novo filme do Scorsese respira perversão e sexo como nenhum outro feito nessa década. E não digo no sentido explícito da coisa, mas em seu uso dentro da narrativa. Das cenas iniciais até o seu close final, é tudo sobre sexo, poder e drogas. Vale lembrar que é uma história real, baseada em pessoas que realmente existiram, mas sabe-se lá até que ponto o exagero é realmente um exagero no filme. Muito provavelmente, DiCaprio, quando o chama de um “Calígula” dos tempos atuais, esteja sendo bem mais certeiro do que prevíamos. O que fica, ao final, é uma obra-prima instantânea, que sem dúvida alguma, mesmo que não seja lá muito compreendido agora, entrará ao lado de vários outros filmes de seu diretor – um cara que entende tudo de Cinema - no hall de suas grandes obras. Tem poder de sobra pra reverberar pelos próximos anos.