Personificação
por Francisco RussoMeryl Streep já foi polonesa (A Escolha de Sofia), italiana (As Pontes de Madison) e irlandesa (A Dança das Paixões). Interpretou uma freira rigorosa (Dúvida), uma professora dedicada (Música do Coração) e uma psiquiatra (Terapia do Amor), entre tantas outras profissões. Já cantou em cena (Mamma Mia!), foi mocinha e vilã. No auge de seus 62 anos, sem ter mais nada a provar, encarou um de seus papéis mais difíceis: Margaret Thatcher, a ex-primeira-ministra britânica que despertou sentimentos distintos ao longo de seus 11 anos de governo. Difícil não apenas pela natureza da personagem, mas especialmente por seus trejeitos. Streep, sem exagero, personifica Thatcher. É o que segura o filme.
A Dama de Ferro apresenta a história de Margaret Thatcher usando a velha fórmula de mostrar a protagonista já idosa e, a partir de suas lembranças, exibir seus feitos do passado. Uma tática explorada à exaustão em cinebiografias, como Piaf – Um Hino ao Amor, ressaltada ainda por outro truque: colocar um personagem querido, e já falecido, para conversar com a pessoa retratada. É este o papel de Jim Broadbent, que impõe um tom cômico e provocador ao seu Dennis, marido de Margaret. Junta-se à receita de bolo uma trilha sonora clichê e pronto, eis um filme absolutamente igual a tantos outros. Pior: sem a capacidade de explicar de forma convincente a complexidade da época em que Thatcher governou.
Os principais eventos do final dos anos 70 e da década seguinte até são apresentados, com rápidas citações e cenas reais da época, captadas pela TV. Era um cenário bem diferente do atual, onde o duelo capitalismo x socialismo ainda imperava. A crise econômica vivida pela Inglaterra é simplificada e até bem apresentada através de comparações envolvendo responsabilidade fiscal (assunto macro) com orçamento doméstico (assunto micro). Tudo para aproximar o espectador a um tema dificil, de forma a também justificar sua baixa popularidade imediata. Situação revertida logo em seguida, com o sucesso na Guerra das Malvinas e a imediata consagração patriota.
Enquanto se atém aos dois fatos mais marcantes do governo Thatcher, a crise e a guerra, A Dama de Ferro se sai bem, apesar do cansativo e desnecessário vai e vem entre cenas do passado e do presente. É no que há além disto que o filme peca. Por exemplo, o rigor extremo com que Thatcher tratava sua equipe é ressaltado em detrimento das decisões impopulares que tomou, que fizeram com que deixasse o governo. Desta forma o filme dá à sua personagem principal um tom carinhoso, tornando-a vítima dos acontecimentos e uma injustiçada diante da história. Mais tendencioso, impossível.
Por outro lado, é Meryl Streep quem dá brilho ao filme. Sua primeira aparição, envelhecida graças à excelente maquiagem, surpreende. É através de seu modo de falar, dos trejeitos ao andar e se mover, que percebe-se que a atriz fez um minucioso trabalho de personificação em relação à verdadeira Thatcher. Coisa de perfeccionista mesmo, de buscar o detalhe para ser o mais idêntico possível. Entretanto, trata-se de um trabalho técnico. Extremamente bem feito, mas que não emociona.
A Dama de Ferro é um filme razoável, que compensa o andamento burocrático da história com uma grande atuação de sua protagonista. Destaque também para a crítica implícita às celebridades de hoje em dia, feita no diálogo sobre a mudança de conceitos entre ser famoso por ter feito algo ou alcançar o sucesso simplesmente por ser alguém, sem qualquer mérito.