Quero ser grande e herói
por Renato FurtadoO peso da ausência e o impacto da presença parecem ser as chaves para compreender a mais singular empreitada do Universo Estendido da DC até o momento. Dentro e fora de sua narrativa, Shazam!, filme dirigido por David F. Sandberg (Quando as Luzes se Apagam), é marcado tanto por aqueles que fizeram o sétimo longa da constelação de projetos de super-heróis da Warner acontecer, quanto por aqueles que, omitidos, por forças maiores ou do roteiro da aventura em si, constroem a diferença por via da falta.
Os minutos iniciais de Shazam!, dedicados a um prólogo pouco inspirado, um enfadonho preâmbulo que poderia ter sido descartado ou rearranjado, comprovam a tese: apesar da sobriedade e do drama da requentada história de origem do vilão Thaddeus Sivana (Mark Strong), a assinatura de Zack Snyder (Batman vs Superman), afastado do cargo de diretor e produtor criativo do DCEU após o fiasco de Liga da Justiça não é encontrada — a essência cartunesca e quadrinesca permanece, mas já não é a mesma.
De forma inédita, portanto, um longa do Universo Estendido da DC deixa para trás a pompa e a circunstância do épico estilo snyderiano, baseado em trevas e tragédias, para investir quase todas as suas fichas no humor e na mais pura graça juvenil. Em outras palavras, Shazam!, com seus inúmeros closes próximos, planos holandeses, slow-motions e câmeras subjetivas, parece pular diretamente das páginas das ingênuas HQs clássicas, e não das sombras das mais recentes graphic novels.
A outra manifestação da ausência, para seguir nesta mesma estrada, dá-se, desta vez, a nível do roteiro: aqui, tanto o herói da película quanto o vilão são definidos, mesmo que por oposição diametral, por abandonos maternal e parental, respectivamente. Enquanto o jovem e "órfão" Billy Batson (Asher Angel) perde-se da mãe quando pequeno, Sivana é rejeitado pelo pai durante sua infância — e são as consequências de ambos os desaparecimentos que fazem aparecer o caráter dos protagonistas.
São estas presenças que, de fato, sustentam a adaptação das aventuras do antigo Capitão Marvel para as telonas, um projeto que sofre quando perde a suavidade e a jovialidade de vista, escorregando em pequenos deslizes melodramáticos que dão um certo tom de irregularidade ao produto final. Trata-se, para resumir a ópera, de um filme verdadeiramente fundamentado por seu diversificado e vasto elenco principal, um conjunto de velhos conhecidos dos fãs e de caras novas, alquímica e perfeitamente balanceado.
Partindo da interpretação quase canastrona de Strong e da inocência da performance de Zachary Levi, que prova ser um real astro da comédia neste Shazam!, Sandberg parece reforçar o tempo todo a ideia de que ver dois homens soltando raios pelas mãos enquanto voam e cruzam os céus da Filadélfia é um tanto quanto ridícula. E é precisamente por isso, que o diretor é bem-sucedido: ao não levar a sério a maior parte do roteiro, o sueco, egresso do cinema de terror, cria um filme bobo, no melhor e mais divertido sentido.
Como se sentiria um adolescente de 14 anos ao descobrir que pode transformar-se em um homem extremamente forte proferindo somente uma curta palavra mágica? As cenas em que os personagens de Angel e do hilário Jack Dylan Grazer testam e documentam a evolução e os poderes de Shazam são o tesouro do longa, e nos apontam a influência que melhor define o núcleo emocional desta aventura: Quero Ser Grande — atenção para a sensacional homenagem preparada por Sandberg ao filme de 1988.
Adicionando a dimensão das questões dos super-heróis ao caldeirão, mas operando de forma basicamente semelhante ao clássico oitentista de Penny Marshall, Shazam! explora, ainda que tangecialmente, a questão da responsabilidade (alô, Tio Ben!). Todo jovem sonha em atingir a maioridade o mais rápido possível, mas é só quando alcança tal patamar que percebe que seus deveres, muito mais pesados do que qualquer mente juvenil pode supor, só podem ser devidamente executados com o benefício da maturidade.
Quebrar um compromisso com seu melhor amigo ou sua família e exibir imprudentemente poderes mágicos que podem colocar vidas em risco são faltas igualmente graves no script de Henry Gayden (Terra para Echo). Em seu íntimo, mesmo que coloque a pergunta apenas de passagem, Shazam! questiona o que significa ser um herói, com poderes ou não, e quais são os limites entre o bem e o mal, a luz e as trevas, seguindo a cartilha aperfeiçoada pela saga Guerra nas Estrelas.
É o material humano — a família adotiva de Batson, com destaque para a pequena Faithe Herman, é um primor, e poderia sozinha estrelar uma dramédia das mais tocantes e engraçadas —, enfim, que faz esta aventura brilhar, mesmo quando a genealogia e os pobres efeitos especiais ameaçam prejudicar a experiência. A qualidade e a importância dos atores, muito bem conduzidos por Sandberg, fica ainda mais evidente no ato final, que guarda deliciosas surpresas a despeito de seu desnecessário alongamento.
Se com Shazam! a DC tenta seguir os passos da Marvel, que desenvolveu e engrandeceu as narrativas ora dramáticas, ora cômicas de super-heróis, isto não é demérito nenhum, particularmente porque, na maior parte do tempo, a aventura de Sandberg, Levy e cia. tem êxito. Ainda que não seja particularmente memorável, Shazam! aponta rumos mais sólidos para o Universo Estendido da DC, surfando com propriedade a onda das comédias de ação e apostando alto no carisma. E essa estratégia funciona.