O Leitor (The Reader)
'O Leitor' é um drama romântico de 2008 dirigido por Stephen Daldry (Billy Elliot e As Horas) e escrito por David Hare, baseado no romance alemão (Der Vorleser) de 1995 de Bernhard Schlink. É estrelado por Kate Winslet, Ralph Fiennes e David Kross. Foi o último filme dos produtores Anthony Minghella e Sydney Pollack, que morreram antes de seu lançamento.
O filme conta a história de Michael Berg (David Kross / Ralph Fiennes), um advogado alemão que, aos 15 anos de idade, em 1958, mantém um relacionamento sexual com uma mulher mais velha, Hanna Schmitz (Kate Winslet). Ela desaparece apenas para ressurgir anos depois como um dos réus em um julgamento de crimes de guerra decorrentes de suas ações como guarda em um campo de concentração nazista. Michael percebe que Hanna está guardando um segredo pessoal que ela acredita ser pior do que seu passado nazista – um segredo que, se revelado, poderia ajudá-la no julgamento.
O longa é uma verdadeira pérola da sétima arte, pois temos um roteiro absurdamente complexo, criativo, niilista, cujo resultado é nos entregue de forma densa, pesada, pragmática, nos soando como uma obra peculiar, verdadeira, introspectiva, intragável e ao mesmo tempo emocionante. O filme nos faz pensarmos em diferentes temas, seja pelo relacionamento do casal, ou pelos crimes desumanos durante a segunda guerra, ou o problema visto socialmente pelo analfabetismo, mas ao tratar especificamente sobre o Holocausto, podemos refletir um pouco sobre o que seria ético, legal e/ou moral. Exatamente um dos pontos cruciais do roteiro de David Hare que o torna tão peculiar e coeso, o contraponto entre um romance regado à sexo, ou até mesmo o nascimento de uma linda história de amor entre duas pessoas com uma certa diferença de idade, com o confronto de um tema tão pesado e importante para a humanidade, o nazismo juntamente com o Holocausto nos campos de concentração de auschwitz (mesmo sem um aprofundamento em tal tema).
O primeiro ato do filme é de uma beleza e uma delicadeza genuína e muito peculiar, pois temos a descoberta do primeiro amor por parte de Michael (David Kross) e o desejo sexual pelo garoto por parte de Hanna. Stephen Daldry acerta muito bem ao nos relatar inúmeras cenas de nudez por parte da Kate e do David, mas de uma forma singular, artística, sem soar ofensiva ou apelativa, o mesmo vale para às várias cenas sexuais entre eles. Eu pude assistir estas cenas com um olhar mais ambíguo, mais romântico, sem me sentir ofendido ou desrespeitado, ou achar que a obra poderia levantar discussões com temas voltados para a pedofilia ou algo do tipo. Exatamente outro ponto muito bem acertado na obra de Stephen Daldry, a sua forma única, poética e artística em nos trazer a sua adaptação unicamente com a intenção voltada para a arte cinematográfica, sem levantar bandeiras entre o certo ou o errado, sem entrar em discursos sobre ética e moralismo, tanto pelo lado do romance e da nudez do casal em questão, quanto pelo posicionamento político e nazista levantado encima da protagonista Hanna. Pois alguns historiadores criticaram o filme por fazer de Hanna Schmitz um objeto de simpatia do público e acusaram os cineastas de revisionismo do Holocausto - o que discordo veementemente!
Kate Winslet (nossa eterna Rose DeWitt Bukater) é a verdadeira dona do filme!
Kate está no papel da sua vida, interpretando uma das melhores personagens de toda a sua carreira. Hanna levava a sua vida trabalhando normalmente até conhecer Michael, pois a partir daí a sua vida dá uma verdadeira virada, com o seu envolvimento sexual com o garoto e a sua paixão em ouvir às leituras que ele fazia para ela sempre antes do sexo. O nível de atuação e entrega de Kate na pele da Hanna chega a nos assustar, pois ela conseguia ir do cômico ao drama instantaneamente, nos mostrando suas múltiplas facetas, sua personalidade dramática, suas expressões de prazeres e de sofrimentos, ambas praticamente interligadas. Temos inúmeras cenas onde Kate entrega atuações em altíssimo nível: às próprias cenas eróticas, a cena da sua condenação, seu reencontro com Michael, entre várias outras.
Kate ganhou tudo que foi indicada naquele ano, fez a limpa em todas premiações, muito justo por sinal. Como por exemplo o próprio Oscar de Melhor Atriz, onde Kate concorria contra aquela atuação estupenda de Angelina Jolie por 'A Troca', mas realmente aquele ano era o ano da Kate Winslet - completamente perfeita!
David Kross (da obra-prima Cavalo de Guerra) fez um ótimo contraponto com a Kate Winslet, alcançou uma ótima química, ao ponto de nos fazer simpatizarmos pelo casal durante toda a trama. Michael é um garoto que estava se descobrindo e descobrindo todos os prazeres que a vida podia lhe oferecer, principalmente os prazeres sexuais e amorosos. Porém com o passar do tempo vieram grandes responsabilidades, ao ponto de lhe exigir medidas e decisões que o influenciaria pelo resto de sua vida. Uma baita atuação de David Kross, muito segura nos momentos sexuais e de nudez, bem dosada nos momentos mais românticos e mais dramáticos, conseguindo uma ótima atuação contracenando ao lado da Kate Winslet, o que não seria nada fácil, principalmente em cenas eróticas com uma atriz do calibre da Kate e quando se tem apenas 18 anos - David Kross mandou muito bem!
Ralph Fiennes (o inescrupuloso Amon Goeth de A Lista de Schindler) completa com sua atuação fina, prazerosa, rica, charmosa, um verdadeiro gentleman na arte de atuar. Fiennes deu vida ao Michael mais velho, um personagem visivelmente sofrível, resguardado, depressivo, com um ar introspectivo, complexo, misterioso, que guardava todos os seus segredos pra si. O último ato do filme é inteiramente do Ralph Fiennes, onde ele brilha e se destaca ao lado da Kate Winslet, juntos nos levaram às lágrimas, literalmente, principalmente na última cena com a Hanna e na última com sua filha, quando ele decide lhe contar toda a sua história de adolescência - um final simplesmente avassalador, daqueles que a gente jamais esquecerá.
Tecnicamente o longa de Stephen Daldry é uma das melhores obras-primas do cinema naquele ano!
Ouso a falar que em 'O Leitor' temos uma das melhores trilhas sonoras de Alberto Iglesias, que foi injustamente esnobada no Oscar daquele ano (é academia). Uma trilha sonora forte, pesada, incômoda, tensa, regada as mais belas e suaves melodias tiradas de pianos e violinos, o que definitivamente nos emocionava verdadeiramente, principalmente no último ato do filme - nota 10 para a obra-prima de Alberto Iglesias. A fotografia do mestre Roger Deakins e Chris Menges é completamente sublime a avassaladora. É incrível como a fotografia se sobressaia e acompanhava em todas as cenas, saltando aos nossos olhos (bela indicação ao Oscar). A direção de arte, cenografia, figurinos e maquiagens estão todos perfeitos e foram feitos com o maior cuidado e atenção possível, com um destaque maior para o trabalho de maquiagem e cabelo feito na Kate Winslet no último ato do filme, que a deixou praticamente irreconhecível e bem envelhecida. A direção de Stephen Daldry é muito bem ajustada e muito rica nos detalhes, com um trabalho de câmeras magistral, que só nos imergia em sua trama cada vez mais - indicação mais do que justa ao Oscar.
Na temporada de premiações de 2009 'O Leitor' foi bem reconhecido e bem indicado (mas poderia ter sido ainda melhor). O longa ganhou inúmeras indicações ao longo dos festivais, incluindo SAG's, Critics, BAFTA e Globo de Ouro. Além, é claro, do Oscar, onde esteve indicado em Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia, Melhor Diretor, Melhor Atriz e Melhor Filme, perdendo para 'Quem Quer Ser Um Milionário?', e levando apenas a estatueta da Kate Winslet.
Me recordo de ter assistido 'O Leitor' uma vez lá em 2009, logo após o Oscar, porém na época eu não tinha o olhar crítico e a visão que eu tenho hoje. Me lembro de ter gostado demais do filme e ter me emocionado com o último ato, e hoje não foi diferente, me emocionei exatamente na mesma parte. Hoje com um olhar mais crítico posso afirmar que 'O Leitor' é um belíssimo filme, uma pérola cinematográfica, uma obra de arte esplendorosa, pois o longa tem o dom de nos fazer sorrir, suspirar, paralisar, se emocionar e se encantar verdadeiramente. Um filme único, forte, pesado, incômodo, mas também leve, primoroso, emocionante e singular, que vai dos prazeres e das descobertas amorosas e sexuais até os temas mais fortes, importantes e significativos na história da humanidade - perfeito!
Difícil encontrar uma obra hoje em dia que nos faça aflorar um misto de sentimentos diferentes em apenas 2h.
5 estrela para esta obra-prima artística, poética e contemporânea do cinema moderno de Stephen Daldry! [01/04/2022]