NAS ENTRELINHAS DA VIDA
por Roberto CunhaA produção dirigida pelo premiado Stephen Daldry (As Horas e Billy Elliot) tem vários elementos para cair no gosto do público que gosta de cinema de verdade. Não bastasse o fato de ser protagonizado por Kate Winslet, (indicada ao Oscar) Daldry contou ainda com ótima trilha e fotografia compatível para tecer essa delicada e complexa trama, baseada no livro de Bernhard Schlink. Uma bela história de amor com ingredientes difíceis de serem ingeridos sem efeitos colaterais. Com cinco indicações ao Oscar, o elenco conta ainda com Ralph Fiennes (O Jardineiro Fiel), Bruno Ganz (A Queda - As Últimas Horas de Hitler) e Lena Olin (A Insustentável Leveza do Ser).
Hanna (Winslet) é uma trabalhadora comum que, por acaso, conhece o adolescente Michael (David Kross). Apesar da diferença de idade e de classe social, os dois passam a se encontrar. Embora tenham usado de alguns recursos óbvios para criar um clima de sedução e romance, como uma tradicional colocação de meia calça ou um banho de banheira, é a atriz quem confere toda a leveza e peso necessários para dar vida ao personagem. Através de sorrisos com o olhar ou de lascivas cenas de sexo, é possível reconhecer nela os traços de felicidade e realização de uma criança, típicos dos apaixonados, como o próprio jovem Michael. A estrutura do roteiro não é das mais fáceis. Repleto de visitas ao passado e retorno ao presente, é importante ficar atento para que o entendimento seja pleno.
O Leitor poderia ser visto, inicialmente, como um belo filme sobre as descobertas de dois inebriados amantes com o virar das páginas dos livros lidos por eles. Mas é muito mais do que isso. E é interessante descobrir, junto com os personagens (até o último minuto), a essência de uma mulher ignorante, controladora, determinada e sem limites. E o porquê de sua desconstrução ao se apaixonar. A cena em que ela se deixa ser beijada (muito bem construída, por sinal) é a mola propulsora da virada de uma história com elemento surpresa. E como na obra, ler é um verbo quase que obrigatório, não poderiam faltar homenagens aos escritores imortais. Assim, de "A Odisséia", de Homero, ou uma bem humorada citação de "Lady Chatterley" (D.H. Lawrence) até o clássico "A Dama do Cachorrinho", de Anton Tchekhov, é possível perceber as estreitas relações que os títulos lidos durante o filme guardam com os protagonistas.
Ao levantar a questão da "robotização" da sociedade alemã em determinado momento de sua história, o roteiro rende reflexões mais profundas e acaba indo para mais longe do que deveria. Por isso, talvez, o único pecado do longa foi não ter sido mais curto. Com cenas desnecessárias, se tivesse acabado um pouco antes causaria mais impacto no pessoal da poltrona. O Leitor nos faz pensar que nas entrelinhas de nossas vidas, existem muitas histórias para contar. E apesar de focado numa história de amor, fala da moral humana, tratando de um tema polêmico que são os crimes cometidos pelos nazistas na 2ª Guerra Mundial. E levanta questões igualmente fortes. Afinal de contas, se "o que importa é o que fazemos e não o que sentimos", como diz o personagem de Ganz, por que fazer sem sentir?