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    Filhas do Pó
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Filhas do Pó

    Para honrar as velhas almas

    por Bruno Carmelo

    Se Filhas do Pó fosse uma grande produção hollywoodiana, repleta de atores famosos e visando prêmios, seria provavelmente rejeitada pelos críticos e pelo público. Sua estética é anacrônica, os atores declamam frases de efeito como no teatro clássico, as imagens são saturadas demais, a música – combinando tambores e harpas – romantiza cada cenário ou personagem. Em outras palavras, o projeto foge às regras do bom gosto da indústria e também do “cinema de arte” refinado de festivais como Cannes e Berlim.

    No entanto, este é um filme independente, feito com recursos obviamente limitados, com menor responsabilidade de prestar contas a produtores. Passou despercebido quando foi lançado, em 1991, sendo resgatado muito mais tarde. O drama histórico dirigido por Julie Dash – o primeiro filme de uma cineasta negra a ser lançado comercialmente em seu país – mantém uma relação com a música, a natureza e as imagens mais próximas das origens africanas do que da apreciação comum nas Américas. Com financiamento norte-americano e britânico, ela viabilizou um filme de alma africana.

    “Chegamos aqui acorrentados, e precisamos sobreviver. Há água e sal no nosso sangue”, afirma Nana Peazant (Cora Lee Day), descendente de escravos, e uma das protagonistas do roteiro coral. A história, passada em 1902, se concentra na autoridade de mulheres negras e na oposição entre tradição e modernidade, ou ainda entre o paganismo africano e o monoteísmo cristão das Américas. Na pequena região de Ibo Landing, historicamente relevante por ter sido palco de um suicídio em massa de negros fugindo à escravidão, as anciãs defendem a cura por plantas e entretêm uma relação mística com fenômenos naturais, enquanto as mulheres mais jovens, que conheceram o sul dos Estados Unidos, defendem unicamente a fé em Cristo.

    A narrativa se desenvolve de modo rizomático. A princípio, a trama se desenvolve pelo olhar de uma garotinha que ainda não nasceu, contando a história de sua família como se viajasse no tempo. No entanto, a câmera às vezes adota o ponto de vista da matrona Nana Peazant, depois segue os dilemas de Eula Peazant (Alva Rogers), grávida após um estupro, e ainda acompanha o ponto de vista de Yellow Mary (Barbara-o), jovem “ocidentalizada” que retorna à terra dos antepassados. No meio do caminho, uma dezena de personagens também é abordada, aparecendo e desaparecendo da história quando convém à montagem.

    Em termos de produção, Filhas do Pó resulta num conteúdo simples, porém embelezado ao máximo. A narrativa se desenvolve inteiramente nas praias de Ibo Landing, onde as mulheres, com seus vestidos impecavelmente brancos, caminham e conversam. Às vezes elas param perto do mar, às vezes descansam sobre os troncos de uma árvore. A direção de fotografia carrega nos tons amarelados, com a ajuda de uma trilha sonora lúdica e uma quantidade de câmeras lentas que remete à fantasia, à lenda. Como diz um personagem, é preciso “honrar as velhas almas”, das mulheres negras em particular. Por isso, a produção se constrói como fábula, estruturada em mensagens excessivamente claras e imagens ornadas para valorizar a história de pessoas esquecidas pela História.

    Filme visto no X Janela Internacional de Cinema do Recife, em novembro de 2017.

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