O Cheiro do Ralo:
“O Cheiro do Ralo”, Brasil, 2007, dirigido por Heitor Dhalia (do também ótimo “Nina”), roteiro do próprio, co-escrito com Marçal Aquino; esses dois primeiros longas de Dhalia mergulham, de forma referencial, no universo literário do escritor russo Dostoiévski, as influências deste autor no filme em tela, se dão, principalmente, em relação ao romance “Crime e Castigo”; “O Cheiro do Ralo”, portanto, tem várias caracterísitcas dos livros de Dostoiévski, a saber: análise da loucura humana, no caso, a da personagem Lourenço (vivida brilhantemente por Selton Mello), que demonstra falta de humanidade e de sentimentos, totalmente insensível ao que as outras pessoas sentem e/ou pensam, é o caso, quando ele acaba com o noivado com Ludmila, afirmando que não gosta dela e nunca gostou e, vai mais além, diz que nunca gostou e não de ninguém; aí está evidenciada sua mesquinhez, não material, mas afetiva mesmo (tema típico do universo literário de Dostoiévski); Lourenço é um usurário, que compra objetos de pessoas, que estão precisando urgentemente de dinheiro, a ponto de venderem objetos, aos quais elas têm grande apreço sentimental, mas Lourenço paga uma “miséria” por eles, evidenciando aqui outro tipo de mesquinhez, a mesquinhez material; ele é solitário e extremamente insociável (temas típicos mais uma vez das obras do referido escritor russo), Lourenço vive essa vida ordinária até se apaixonar por uma “bunda” de forma literal, pois nem grava o nome da moça “dona” dela e, inclusive, confude esta com outra garota, aqui tem-se o tema da loucura típico das obras literárias de Dostoiévski, a atriz que vive aquela personagem é Paula Braun, que é a nova garçonete da lanchonete, na qual Lourenço come; os produtores do filme fizeram questão de escalarem para esse papel, uma atriz desconhecida do grande público, para não evidenciarem a personagem em si, mas só o objeto de paixão de Lourenço, a “bunda” daquela; Lourenço é extremamente possessivo, obsessivo, materialista e individualista; filme de baixo orçamento, que ganhou vários prêmios internacionais e nacionais; as personagens que vão vender seus pertences, no escritório de Lourenço, não têm nomes, são apenas creditados ao final do filme , pelos nomes dos objetos que foram vender a Lourenço; o filme também faz várias referências a outros escritores, filmes e obras literárias; exemplos: “Acossado”, de Godard, “Os Implacáveis”, de Peckinpah, com Steve McQueen; um livro de Raymond Chandler, ao qual Lourenço está lendo, etc.; cuidadosa e detalhista direção de arte e cenografia do filme; o título do filme faz referência ao fedor exalado pelo ralo do banheiro do escritório de Lourenço, que o incomoda obsessivamente, contudo, esse mau-cheiro é uma metáfora para a “podridão humana”, que é Lourenço; outra obsessão deste é um “olho”, que ele compra e diz ter sido de seu pai, mais um traço de loucura da personagem; todo esse mau-caratismo do protagonista foi manifestando-se nele, devido (e isso é uma suposição/interpretação bastante pessoal) à ausência do seu pai, ao qual ele nunca conheceu, mas a quem Lourenço nutre um grande respeito e amor, talvez a única pessoa a quem ele ame; o que motiva os seus distúrbios mentais, pessoais e de relacionamentos; Paulo César Pereio faz a voz ao telefone, do pai da ex-noiva de Lourenço, Ludmila; ótimo filme! Um dos melhores do cinema nacional nos últimos anos! Selton Mello dá sua melhor interpretação desde “Lavoura Arcaica”.