Mesmo não sendo a história mais interessante (no quesito roteiro e de direção), contada pelo maestro Vittorio De Sica, “I girasoli” possui momentos singulares de poesia visual, interpretação, sonorização e indiscutivelmente da capacidade do De Sica em registrar e transmutar as simplicidades da vida.
Lembro dos primeiros filmes que assisti desse, que é , uma grande inspiração e a quem sempre devoto um favoritismo absoluto. Vittorio De Sica através das possibilidades de apresentar e não representar à vida, tal como desejava o movimento neo-realista italiano originando filmes muito próximos de um registro documental e que me fascinavam por sua costura às avessas, sem pudores de mostrar o frenesi volátil de um país e de seu povo, diante das novas relações que surgem, e na incerteza de sua durabilidade.
Decerto que um movimento cultural não pode ser amarras para um criador, ao contrário, deve ser dispositivo para novas construções, e isso é notório em "I girasoli". Produzido em 1970, com roteiro de Cesare Zavattini e argumento elaborado por Tonino Guerra, célebre poeta, escritor e cronista da guerra. Sendo uma co-produção ítalo-franco-soviético, o que permitiu um registro raro do antigo bloco comunista, em parte devido as boas relações do De Sica com o Partido Comunista Italiano.
Aos moldes de um resumo ultra simplista, me permito dizer quê, "I girasoli" é o retrato de uma felicidade breve diante a não concretude amorosa regida pelas adversidades de uma guerra e de razões nem sempre cercadas de sentido lógico ou possíveis de nominar. O filme sucede como um drama familiar em movimento, e de microcosmo da história social da Itália durante as décadas de 40 (período da segunda guerra), até o começo dos anos 70.
O peso da influência comercial determina perdas notórias ao filme, na qual seu enredo se constrói através de amarras que buscam estruturar e pontuar a trajetória das personagens aos moldes da estrutura melodramática dos filmes hollywoodianos daquela época, desfigurando o caráter original de drama que o filme propõe e as relações de crise do drama, elemento sempre próspero nas mãos do diretor De Sica. Essa desfiguração pode ser notada, por exemplo, no registro longo e desnecessário de Masha (Lyudmila Savelyeva) revelando para Giovanna (Sophia Loren), como encontrou e como salvou Antonio (Marcello Mastroianni) do frio e da guerra. Um recurso, creio, para pontuar ainda mais o melodrama da história e para balancear ainda mais o público na sua torcida amorosa e de desfecho final, com quem Antonio deve ficar? A mulher amada ou a mulher que lhe salvou?
Há vários momentos no filme que resultam nesse mesmo sentido, de prolongar o melodrama, balançar as decisões do público e exibir explicações, algo que torna o filme cansativo, explicativo em excesso e raso diante a dimensão de questões humanas e das possibilidades de reflexões sociais, políticas e de guerra que acabam sendo utilizadas apenas como plano de fundo, e que quando evocados, são tratados de forma superficial.
Ponto de destaque e que merece atenção especial, é a relação estabelecida pelos protagonistas Giovanna (Sophia Loren) e Antonio (Marcello Mastroianni). De Sica havia realizado alguns trabalhos, tendo Sophia e Antonio como casal de protagonistas, (exemplo: Ieri, oggi, domani -1963). Essa experiência anterior, colabora tanto para aqueles que já assistiram ou para aqueles que assistem pela primeira vez a parceria entre tais atores e o diretor. Essa total química, facilidade e intimidade para o jogo, colaboram certeiramente, onde não é preciso mais de três minutos, para o público torcer e "shipar" o casal Giovanna e Antonio. Algo muito importante e necessário para essa história, já que a felicidade entre esses dois é breve. Tal como em uma partida de futebol, o público vibra com a postura determinada, apaixonada de Giovanna - uma mulher italiana - que vai até à Rússia procurar Antonio, o marido dado como perdido durante a II Guerra. A travessia faz-se por paisagens urbanas e campos de girassóis, uma passagem bela, florida e poética que colaboram na perspectiva de um desfecho feliz.
O trabalho de Sophia Loren é árduo na tentativa de desvencilhar da musa e do apelo sexual comum ao histórico de suas personagens, e em muito momentos conseguem, mas para facilitar o desfecho de sua história, temos justamente o emprego da musa e do apelo sexual, mas claramente como recurso imposto pelo roteiro e acatado pela direção. Já Marcello Mastroianni impressiona pelo carisma e magnetismo, um simples retrato do ator ou personagem já são suficientes. Honestamente sabemos que não é de todo um trabalho difícil para ambos atores, já que as personagens não exigem durante o feito, durante o que é filmado ou captado, um esmiuçar de estados, sentimentos e conflitos. A carga melodramática já se encarrega disso, porém, em nenhum momento, assistimos um trabalho de menor, de escanteio ou que imprima desprestígio.
Destaques para a trilha de Henry Mancini, famoso por criar identidade musical nos filmes em que trabalha. Já a Fotografia de Giuseppe Rotunno, especialmente em todas as cenas de multidão, que somadas a direção de Vitoria imprimem um verdadeiro retrato de uma Itália. Entre tantos momentos de brilhantismo de direção e fotografia, destaco a primeira cena de guerra na Rússia. A forte e frutífera imagem de uma grande bandeira vermelha balançando no ar e oscilando entre projeções, plano de fundo e transparências de uma guerra na neve que é manchada pelo sangue de pessoas tão perdidas quanto o próprio destino de duas pátrias, que oscilam entre a mãe e o carrasco, oposição que , ao mesmo tempo, abraça e sentencia a vida do cidadão (homem comum), e o soldado da guerra.
Dirigido por Vittorio De Sica. Produção ITA / FRA: Carlo Ponti. História e Roteiro: Tonino Guerra e Cesare Zavattini. Fotografia: Giuseppe Rotunno. Música: Henry Mancini. Edição: Adriana Monelli. Performers: Sophia Loren, Marcello Mastroianni, Ljudmila Saval'eva, Silvano Tranquilli, Glauco Onorato, Anna Carena, Galina Andreeva, Germano Longo.