Fidelidade ao conjunto da obra
Em seu mais novo filme, A Pele que Habito, Pedro Almodóvar mantém forte os traços que sempre o destacaram na sétima arte
“Cientista maluco” cria uma pele mais resistente que a humana para sua amada. Muitos seguiram nessa linha para se referir ao novo filme de Pedro Almodóvar, A Pele que Habito. Mas tratando-se do diretor espanhol, nada é tão superficial assim e as metáforas afloram em todo momento. Com o título desta obra não é diferente. Afinal, é preciso levar em consideração quem – ou o que – está no interior da pele do personagem criado por Almodóvar. Convém citar o que consta no site oficial do filme: “A pele é a fronteira que nos separa dos demais, determina a raça a que pertencemos, reflete nossas raízes, sejam elas biológicas ou geográficas. Muitas vezes reflete os estados da alma, mas a pele não é a alma”. Falar mais a respeito é estragar surpresas e simplesmente comprometer a experiência fantástica que é entrar em contato com esse longa do cineasta espanhol, baseado no livro Tarântula, de Thierry Jonquet.
Antonio Banderas está para Pedro Almodóvar assim como Johnny Depp está para Tim Burton. Novamente Banderas figura entre os destaques de uma obra do diretor de filmes como Labirinto de Paixões (1982), Matador (1986), A Lei do Desejo (1987), Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), Ata-me (1990), Tudo Sobre Minha Mãe (1999), Fale com Ela (2002), Volver (2006) e Abraços Partidos (2009). Banderas esteve presente nos cinco primeiros títulos. Desta vez o ator interpreta o cirurgião plástico Robert Ledgard. Com a finalidade de realizar experiências científicas, Ledgard mantém em cativeiro a bela Vera, vivida por Elena Anaya. Vera é, simultaneamente, cobaia e objeto de desejo do médico.
Fiel à sua filmografia, Almodóvar promove verdadeiras “viagens” na tela e abre espaço para múltiplas interpretações: motiva verdadeiras “viagens” também do lado de cá da tela grande. No cerne de tudo está um poderoso conflito entre essência e aparência suscitado à revelia de quem o vive. Sempre coerente com o conjunto de sua obra, o diretor espanhol trata da obsessão, dos relacionamentos complicados com a experiência da morte. Não falta tragicomédia. O exagero está lá e a policromia também. Cores intensas e variadas enchem os quadros. Reflexões sobre a relação masculino/feminino também estão presentes, um tema já fortemente trabalhado por Almodóvar em Fale com Ela.
É pesado o traço de sua assinatura nesta obra. Pedaços de vestidos estraçalhados, espalhados pelo chão e sugados por um aspirador não apenas colaboram para abrir entrelinhas. Compõem uma cena que remete às artes plásticas: parece um quadro cuidadosa e poeticamente elaborado. Os fragmentos dos vestidos são sugados pelo aspirador, mas o resultado final da ideia permanece, gruda na memória. É aquele tipo de cena com a qual você se depara e diz, sem hesitação: “sim, isto é Almodóvar”.
Não faltam referências ao Brasil em A Pele que Habito. É o caso, por exemplo, do quadro de Tarsila do Amaral, do nome Gal dado a uma das personagens (homenagem do diretor à cantora Gal Costa) e de uma citação da Bahia. Toda a história é mostrada com muitas reviravoltas, regressos no tempo e, portanto, surpresas variadas para quem assiste.
Se você não teve a oportunidade de acompanhar no cinema mais perto, assista quando chegar às locadoras. Este 19º longa metragem do cineasta espanhol não permite apenas uma experiência de sentimentos à flor da pele. É visceral.
Tiago Luiz Bubniak