Dirigido pelo já falecido Hector Babenco, O Beijo da Mulher Aranha prova que parceria brasileira e estadunidense funciona bem e forma uma química perfeita.
Ambientado numa prisão da América do Sul, o longa conta a história de dois prisioneiros: Valentin Arregui (Raul Julia), um político; e Luis Molina (William Hurt) — um homossexual, que, afim de tentar escapar da realidade do presídio, começa a narrar histórias mirabolantes de filmes. Essa relação contraposta faz com que ambos se aproximem e aprendam a conviver com respeito um pelo outro dentro da cela.
Partindo direto dos aspectos positivos do filme, Babenco usa uma boa linguagem cinematográfica através das câmeras. Uma das cenas que pode se usar de exemplo é durante um dos muitos diálogos que rola entre Valentin e Molina. Deitado no chão, Molina começa a contar o que para "ela" seria um homem perfeito. A câmera pega a personagem do alto, exaltando e dando ênfase à sua posição feminina. E quando a câmera passa para a personagem de Julia, temos a perspectiva do ponto de vista de Molina: a câmera pega a personagem de alto para cima, exaltando toda sua grandeza, sua imagem máscula, trazendo para o orgânico as palavras de Molina. Todo esse elemento que se repete ao longo do filme se deve também, claro, ao diretor de fotografia, Rodrigo Sánchez.
O filme também trabalha bastante a vero semelhança através dos diálogos bem trabalhados que assim, consequentemente, se tornam bastante reais, dando um aspecto e atmosfera mais críveis à trama.
Como aspectos técnicos, o filme novamente acerta. A direção de Babenco é excelente, narrando o filme na medida certa, amarrando bem as pontas, e sabendo esconder o que precisa esconder, para mostrar na hora certa sem precisar enrolar para prender a atenção do espectador.
As atuações agraciam ainda mais a produção. Ponto alto para Hurt — que levou para casa o Oscar de melhor ator —, que deu sensibilidade máxima à Molina, interpretando um homossexual crível e fugindo do estereotipado, fazendo um dos personagens mais convincentes do cinema. Julia também realiza ótimo trabalho com Valentin, que não levou Oscar, mas merecia. A amizade construída a partir dos dois acerta tal excelência que não se vê nas telonas hoje em dia, uma relação cinematográfica que é trabalhada da melhor forma possível em cima de dois personagens completamente opostos.
Devida atenção aos filmes narrados por Molina, que são pano de fundo, porém, Babenco consegue aproveitá-los muito bem. Os filmes narrados por Molina andam paralelamente quanto a trama principal, de uma forma bem poética e metafórica, chegando a se encontrar com o filme da forma mais íntima possível e se separar dele da maneira mais gritante.
Sonia Braga, musa brasileira na época, mesmo fazendo um papel pequeno e com pouca importância consegue chamar atenção — ainda mais pelo fato que Braga não dominava a língua inglesa, mas mesmo assim não vacilou no resultado final diante dos diálogos.
Motivações também são bem trabalhadas. O espectador consegue entender do por que dos personagens fazerem o que fazem; principalmente Molina, que no desfecho joga tudo por alto, traduzindo claramente o que vinha buscando no início do filme: algo que poderia chamar dela, e é por isso que a personagem cai cabeça adentro na confusão política de Valentin. A amizade de ambos é algo que Molina conquistara com garra para si, que apesar de tudo fora verdadeira.
Para a época que fora lançado — 1985 —, o longa usa bem a época política, mesclando com o personagem de Valentin.
Demonstrando todo talento de Babenco, O Beijo da Mulher Aranha é competente em termos técnicos; consegue ser sensível e brutal nas entrelinhas. Uma boa mistura do talento brasileiro e do americano. E um dos melhores trabalhos do diretor — se não o melhor.
Nota: 10/10