É bom estar de volta
por Lucas SalgadoNove anos após O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei, finalmente estamos de volta à Terra Média com a adaptação de O Hobbit, livro de J.R.R. Tolkien que antecede a história de Frodo, Sam, Aragorn, Legolas e companhia. A produção teve problemas de direitos (MGM x New Line), de desistência de diretor (Guillermo del Toro) e até mesmo de doenças de nomes importantes da equipe. Mas as barreiras foram ficando pelo caminho e agora podemos celebrar a conclusão do longa, que ainda terá duas continuações: O Hobbit: A Desolação de Smaug (2013)e O Hobbit: Lá e de Volta Outra Vez (2014).
Primeira parte da trilogia, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada tem tudo para agradar os fãs de Tolkien. Trata seus personagens com respeito e carinho, e não deixa de lado elementos importantes do livro, como as canções dos anões. A ideia de se dividir um livro em três longas de quase três horas deixou muita gente preocupada com o fato de que Peter Jackson teria que "encher muita linguiça" e poderia acabar deixando a experiência cansativa. Mas isso não acontece, pelo menos não no primeiro filme.
A narrativa começa quase que no mesmo momento que A Sociedade do Anel, com Bilbo (Ian Holm) e Frodo (Elijah Wood) às vésperas da festa de aniversário/despedida do primeiro. A sequência, que é pequena, é muito importante para reinserir o espectador naquele universo. Neste momento, quem não é familiarizado com o livro recebe de cara a informação de que estamos de volta à Terra Média. E que uma história seguirá em O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel e outra voltará em O Hobbit.
A partir daí, voltamos 60 anos no tempo e nos deparamos com Martin Freeman na pele do jovem Bilbo. Ele vive pacatamente no Contado e tem sua rotina jogada pelos ares após a visita de Gandalf, o Cinzento (Ian McKellen). Após uma série de situações e um jantar pra lá de tumultuado, o jovem hobbit acaba em uma jornada ao lado do mago e de nada menos que 13 anões: Bofur, Ori, Kili, Fili, Dwalin, Oin, Bombur, Dori, Gloin, Balin, Nori, Bifur e, é claro, Thorin, Escudo-de-Carvalho.
Os anões são um dos destaques da produção. É impressionante como conseguiram transformar 13 seres baixinhos parecidos em personagens individualmente interessantes, cada um com sua função e com uma personalidade diferente. O mérito para tanto deve ser dividido entre os atores e a equipe de produção, afinal o figurino e a maquiagem foram fundamentais para tornar cada anão um sujeito diferente. Vejam como os outros seres como orcs e trolls são todos parecidos, não podendo servir como indivíduos, mas sim como massa. É claro que como massa irão assustar mais, mas não despertarão tanto interesse. Isso fica evidente na medida que os "orcs chefes" são os únicos diferentes.
An Unexpected Journey (no original) conta com um trabalho brilhante de design de produção. Os cenários, os figurinos e a maquiagem são de cair o queixo, assim como acontecia em O Senhor dos Anéis. Na verdade, aqui temos ainda mais detalhes, como podemos ver em uma tomada de cima do Condado.
Vencedor do Oscar por A Sociedade do Anel, Andrew Lesnie realiza mais um brilhante trabalho de fotografia. As tomadas aéreas são ainda mais belas que na trilogia anterior. Por mais que saibamos que tudo foi rodado na Nova Zelândia, a sensação de imersão é tão grande que acabamos com a certeza de que estamos diante da Terra Média. Desenvolvidos pela Weta Digital, os efeitos visuais são ótimos, como pode ser conferido em diversas sequências de ação. Na verdade, o longa até surpreende pelo tanto de ação presente na trama. Esperava-se que por se tratar de um primeiro filme seria algo mais introdutório, mas não ficamos só na enrolação.
Peter Jackson, que escreveu o roteiro ao lado de Fran Walsh, Philippa Boyens e Guillermo del Toro, se mostra totalmente a vontade no universo tolkieniano. Está tão a vontade que resolveu inovar filmando o longa em 3D e a 48 quadros por segundo. Para escrever essa crítica, no entanto, foi assistida a versão padrão, em 2D e a 24 quadros por segundos, razão pela qual as novidades não poderão ser analisadas. Quanto ao 3D, todavia, cabe ressaltar que Jackson utiliza-se muitas vezes de uma grande profundidade de campo, que devem passar bem a noção de profundidade.
Os fãs dos três filmes anteriores vão adorar ver caras conhecidas como Ian McKellen, Hugo Weaving, Cate Blanchett e Christopher Lee, mas é inegável que é Martin Freeman que rouba a cena. Conhecido pela atuação em O Guia do Mochileiro das Galáxias, o ator brilha como Bilbo, passando bem as dúvidas e angústias do personagem. Quem também se sai bem é Richard Armitage como Thorin, que é o equivalente do Aragorn (Viggo Mortensen) na nova trilogia.
Outro retorno pra lá de especial é o de Andy Serkis como Gollum. A captura de movimentos e, principalmente, de expressões faciais está ainda mais impressionante que há nove anos. O personagem surge rapidamente, mas logo desperta o interesse e, até mesmo, o carinho por parte do espectador.
O Hobbit: Uma Jornada Inesperada aprofunda algumas situações tratadas rapidamente nos livros, como o ataque dos gigantes de pedra, e ainda reconstitui no formato de flashbacks outras situações ocorridas bem antes da jornada de Bilbo, como o ataque do dragão Smaug à Montanha Solitária.
Um dos poucos erros da produção está na criação de cenas feitas claramente para o uso de 3D. O momento em que Gandalf e os anões correm e lutam por uma montanha é digno de um vídeo game, privilegiando mais a ação do que a informação. Mesmo incomodando, isso não faz de O Hobbit um filme pior. Agora é esperar por A Desolação de Smaug.