A saga Harry Potter abandou definitivamente qualquer vestígio de infantilidade em sua história. Excepcionalmente bem fotografado por Bruno Delbonnel, o sexto filme da série começa com uma imagem acinzentada e sombria de uma Londres invadida pelo caos que se apodera do mundo dos bruxos. A partir de então se torna claro o novo tom adotado pelo diretor David Yates, que demonstrou ter consciência da seriedade da trama que detinha em mãos.
Harry Potter e o Enigma do Príncipe é o mais sombrio de todos os filmes da série e, por consequência, o mais adulto. Yates empregou o drama na medida certa, usando o romance juvenil – mas nada infantil – dos personagens como uma perfeita quebra para o clima sufocante que acompanha o longa. A tensão é um dos trunfos. Boa parte dos minutos iniciais é dedicada aos conflitos, revelações, angústia e medos dos personagens. A trama é apresentada com competência pelo roteirista Steve Kloves. Cabia a ele a difícil missão de adaptar uma história com revelações e artimanhas importantes para conduzir a trama até sua parte final sem alterar profundamente uma história lida por milhões de pessoas ao redor do mundo.
Kloves foi corajoso. Alterou partes importantes da narrativa de J. K. Rowling, retirou detalhes de certas sequências para torná-las mais dinâmicas, apressou o passo em determinadas passagens e se conteve em outras. Além disso, preferiu suprimir certos detalhes. Sabe-se que escolheu transferir para o sétimo filme acontecimentos do início do sexto livro. Mas, acusar Kloves de acabar com a essência de Harry Potter e O Enigma do Príncipe é um grande engano. O roteirista, pelo contrário, soube captar toda a essência da história para torná-la cinematograficamente atraente e reveladora. Suas opções deixaram o filme redondo, adaptando de forma competente a história escrita por Rowling para uma linguagem totalmente diferente à das palavras escritas. Como narrativa para cinema, Kloves fez um grande trabalho e deixou a história com a fluidez necessária para que Yates a dirigisse.
E ele não decepcionou. Depois de comandar o quinto filme da série, Yates retorna mais maduro. Constrói o necessário clima sombrio e sufoca o espectador sempre que julga importante fazer com que o público se sinta mais próximo dos personagens. Assim, utiliza planos mais fechados, câmera vibrante quando esse recurso se mostra cabível, além de imprimir certa irriquietação em algumas tomadas, fazendo a lente funcionar como o olhar perdido de quem sente o perigo próximo, mas sem saber onde ele se encontra. Assim como Kloves, Yates mostra-se confiante em suas escolhas, o que resulta em um ótimo trabalho de direção. Soma-se a isso o bom serviço que desempenhou na direção dos atores, que mostram grande entrosamento e apresentam a melhor performance de todos os seis filmes.
Daniel Radcliffe, Rupert Grint e Emma Watson chegam à maturidade em termos de atuações. Mais expressivos, convincentes, e demonstrando melhor as emoções de seus personagens sem cometer exageros nas feições, além de contidos nas caretas, o trio principal garante bom desempenho tanto nos momentos mais descontraídos do longa, principalmente nos que apresentam os relacionamentos amorosos de cada um, quanto nos momentos de maior carga dramática. Michael Gambon (Dumbledore), Alan Rickman (Snape) e Jim Broadbent, que interpreta o novo professor de poções, garantem o brilho do elenco adulto. E quem surpreende nos poucos minutos que aparece é Hero Fiennes-Tiffin, que interpreta Voldemort na época em que ele ainda era aluno da escola de magia e bruxaria de Hogwarts. O menino consegue provocar frio na espinha dos mais desprevenidos.
O Enigma do Príncipe põem fim à infância de seus personagens. Os estudantes têm ciência do complicado momento pelo qual o mundo mágico atravessa. A morte ronda os muros protegidos da escola e as brincadeiras de criança ficaram para trás. Quando podem se dar ao luxo de não estarem preocupados com o momento perigoso pelo qual atravessam, os estudantes descobrem o início da vida amorosa adulta: novas experiências e confusão de sentimentos. Paixão, raiva, dor, ciúmes, tudo que cabe àqueles que descobrem essa nova fase da vida. E as poções que os alunos tomam e os colocam em estado de transe funcionam como uma espécie de droga mágica, ou seja, um período de experimentação em todos os sentidos, típico da adolescência. Tanto a história, quanto a maneira como ela foi contada, fizeram deste Harry Potter o mais interessante de todos.
Entre as qualidades de O Enigma do Príncipe também estão a charmosa direção de arte e o figurino clássico nada exagerado de Jany Temime. Parecem palpites certos para o próximo Oscar, assim como os efeitos visuais. Alan Rickman, interpretando Snape com o cinismo de sempre, mais uma vez compõe seu personagem com exímia perfeição. E Jim Broadbent, intérprete do professor de poções Horace Slughorn, brilha em cena. Seu personagem, a cada sequência, cresce em importância e Broadbent incorpora o espírito assustado e amedrontado de uma pessoa experiente e que sabe de coisas com as quais não consegue conviver em paz. Se o ano continuar fraco, quem sabe não sobre uma vaga entre os coadjuvantes na temporada de premiação.
Harry Potter e o Enigma do Príncipe é o melhor da série. A história ficou muito mais atraente e a equipe do filme desenvolveu um trabalho impecável em muitos aspectos. Se os fãs provavelmente saberão reconhecer essas qualidades, não parece improvável que o sexto longa da saga receba também um sempre bem-vindo retorno positivo da ainda distante temporada de prêmios.
Nota: 8.0