Filme clássico, desde o lançamento considerado "cult" e emblemático, que pode levar a reflexões profundas em relação às questões existenciais do homem contemporâneo, especialmente as que envolvem modulações de espaço/tempo e que abarcam as sutilezas da sexualidade humana, gênero e etnia.
Partindo de uma entrevista noturna em São Francisco, no início da década de 1990, logo passamos a uma narrativa em flash back, na primeira pessoa, iniciada na região de Nova Orleans, em 1791, onde somos apresentados a uma grande fazenda ("plantation") repleta de escravizados e de propriedade da aristocracia creole (franco-americanos), extremamente refinada.
Devemos lembrar que a Louisiana era então colônia francesa e que a sua passagem aos Estados Unidos da América (1805) é documentada pelo filme quando o entrevistado diz "nos tornamos todos americanos".
Logo nas primeiras cenas, o belo Louis (Brad Pitt), montado à cavalo, nos narra suas desventuras, enquanto viuvo aos 24 anos, cujo único filho morreu com a mãe no momento do parto e que agora, portanto, anseia pela morte, a decadência e o sofrimento. É o crepúsculo de um dia que deve ter sido longo e, na sequência, cenas sombrias e noturnas, destacando-se o monumento funerário da falecida esposa de Louis, prenunciando igualmente o crepúsculo da sua própria mortalidade.
Porque Louis clama pela morte ela o procura, não na figura do assaltante que o persegue ou da prostituta que o ameaça com a provável doença, mas do vampiro Lestat (Tom Cruise, na sua melhor atuação) que evidentemente e declaradamente se apaixona por Louis e deseja com ele partilhar a eternidade.
Que as platéias da época não tenham encarado a relação de Louis e Lestat como um casamento homoafetivo é de se estranhar muito, especialmente depois que ambos, de comum acordo, "adotam" a menina Claudia, tornando-a uma vampira. É Lestat quem se refere a ela como "a nossa filha". Esta foi talvez a primeira família homoafetiva com dois pais da história do cinema e, inusitadamente, não causou qualquer polêmica.
Talvez não tenha havido polêmica ou estranhamento pelo fato de que se tratava de vampiros e, desta maneira o vínculo entre ambos é o afeto, para além do sexo. No entanto, havemos de recolocar o complicador de que para que Lestat tornasse Louis um vampiro houve entre ambos um vínculo de sangue, onde cada um deles tomou o sangue do outro, o sorveu, com prazer voluptuoso, o que é altamente simbólico. Da mesma maneira, é através do sangue que Claudia se torna uma vampiresa e sua filha.
Através das viagens de Louis e Claudia, passeando por interiores suntuosos e elegantes da Paris de 1870, encontramos Armand (Antonio Banderas, igualmente jovem) o qual passa também a desejar Louis, então separado de Lestat. Para tentar ficar com Louis, Armand lança mão de um estratagema sinistro para afastá-lo da "petite" Claudia, a qual acaba sendo consumida/queimada pelo sol.
Há inúmeras metáforas durante o filme, como a utilizada para se referir à epidemia de AIDS, na época (1994) sem nenhum controle, apresentada na forma da peste que se abate sobre Nova Orleans e acaba por vitimar a mãe de Claudia, bem como aquelas utilizadas para se referir às questões raciais e sociais, já que ninguém se importa, em momento algum do filme, com as mortes causadas pelos vampiros enquanto elas aconteciam apenas entre os escravos e os pobres.
Não é um filme de terror. É um filme de amor. Um amor ambivalente, com doses de ódio profundo, que une Louis e Lestat e que atravessa os séculos.