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    Baby
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    Baby

    Entre a aceitação e a rejeição, Baby quer se encontrar

    por Giovanna Ribeiro

    Ao retratar o dilema das grandes cidades nas telas, é comumente escolhido falar de solidão ou da falta de empatia e brutalidade da selva de pedra, em contraste com o acolhimento familiar deixado para trás. No entanto, se em São Paulo, “o filho chora e a mãe não vê”, Baby, de Marcelo Caetano, por sua vez, não chora.

    Segundo longa-metragem do diretor conhecido por seu trabalho em Corpo Elétrico (2017), Baby conta a história de Wellington (João Pedro Mariano), um jovem LGBTQIAPN+ recém-libertado de um centro de detenção para menores, que se vê perdido nas ruas de São Paulo. Ao encontrar com velhos amigos da noite paulistana, Wellington visita um cinema pornô, frequentado sobretudo por homens gays. Assim, conhece Ronaldo (Ricardo Teodoro), um garoto de programa experiente.

    Dark Star Pictures

    Esse encontro desperta uma conexão e um interesse mútuo e, partir daí, Wellington ganha o apelido que o acompanha pelo resto na trama - e dá título ao filme. Ronaldo acaba “adotando” Baby como seu protegido, que, sem lugar para ficar, aceita a hospedagem deste desconhecido, determinado a ensiná-lo novas formas de existir na cidade. Então, os dois iniciam uma relação ora romântica, ora quase-paternal, e sempre tumultuada.

    Esta obra queer, escolhida para participar da 63ª Semana da Crítica do Festival de Cannes 2024, é ambientada em um cenário urbano vibrante, sexy e intenso e apresenta um vínculo marcado, sobretudo, por conflitos entre exploração e proteção, ciúme e cumplicidade. Mas, por escolher falar sobre a complexidade das relações humanas, Baby é também um filme sobre família - tanto a instituição opressora e violenta, quanto o abandono e seu potencial devastador. Mas, acima de tudo, sobre famílias que se constroem diante dos interesses em comum, sendo a sobrevivência o maior deles.

    A família que se escolhe

    Ronaldo apresenta para Baby o que viraria seu novo “ofício”, que é, basicamente, a prostituição, mas a intimidade entre os dois não nasce neste lugar óbvio do contato sexual que se estabelece, quase como uma parceria de negócios. Na verdade, Ronaldo e Baby se encontram verdadeiramente íntimos ao se abrirem sobre suas famílias. A presente, e a ausente.

    Ao sair da prisão, Baby se depara com a mudança da família para um local desconhecido, já que os pais desapareceram sem deixar endereço, nem contato. A rejeição parte especialmente do pai policial e homofóbico diante do filho-problema. Ronaldo inevitavelmente se vê comovido com o abandono sofrido por Baby, sobretudo, por ter uma forte ligação com seu filho adolescente, e ter na mãe dele (vivida por Ana Flavia Cavalcanti) e até mesmo na atual companheira da ex (vivida por Bruna Linzmeyer), uma rede de apoio e afeto.

    Assim como Baby decide confiar totalmente neste completo estranho, Ronaldo deposita no jovem a confiança gigantesca necessária para apresentá-lo às pessoas mais importantes de sua vida, e dividir um pouco de sua família, agora que Baby já não tem mais ninguém. Dessa forma, o filme alcança um lugar de doçura e beleza, em que a sexualidade, apesar de se fazer presente - como se faz na vida, naturalmente -, não é o que mantém esses vínculos, nem é o que necessariamente move a história. Na tela, o sexo é acessório de todos os momentos compartilhados pelos personagens, carentes de afeto e de compreensão.

    Inocência e fragilidade?

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    João Pedro Mariano compõe com muito cuidado o seu Baby. O ator, sem dúvidas, é mais do que um destaque. É a alma do filme e o instrumento fundamental para estreitar esse laço com quem assiste - e busca decifrar o personagem na tela. Na ficção, o magnetismo se repete: a trajetória de Baby nesta São Paulo reimaginada por Marcelo Caetano é marcada por mais encontros do que desencontros. E a fragilidade do jovem é, na verdade, exposta nos outros.

    Apesar do abandono da família, Baby não reflete a imagem do desamparo. A falta de amor e solidão habita não na figura do filho amoroso e empático, que busca recuperar o vínculo com os pais, mas no centro desta família tradicional intolerante. Paradoxalmente, o amor pelo qual o protagonista tanto anseia, sua família seria incapaz de oferecer, pois, de tão adoecidos por uma estrutura conservadora, nem eles mesmos conhecem.

    Nas ruas, entre pessoas que, assim como ele, desafiam a norma, Baby encontra amor e aceitação. E mais do que isso, explora a sua capacidade de amar, aproveitando a oportunidade que lhe foi negada por sua própria família e choca, com sua aparente inocência, pessoas como Ronaldo. Diferentemente da família de Baby, Ronaldo redescobre no novo afeto toda uma nova forma de amar e ser amado - mesmo que acabe tirando desse vínculo uma força quase destrutiva.

    Baby (também) é um filme sobre crescimento

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    Apesar de ser um filme sobre encontros, quando os desencontros de Baby acontecem, por sua vez, eles se desenrolam de forma avassaladora - e são definidores. Acompanhamos na trama um protagonista que precisa aprender a administrar sua própria vida, a partir do que ela lhe oferece. E equilibrar tanto os seus sentimentos, quanto os dos outros.

    A força do texto de Marcelo Caetano, em parceria com Gabriel Domingues, é testada. E não falha. Baby não perde o foco, e seduz com sua trama visualmente sincera, além das atuações perfeitamente alinhadas. Assim, torna-se mais do que uma obra importante do ponto de vista LGBTQIAPN+, mas uma crônica urbana completa, que mesmo se utilizando de diversos elementos, não deixa nenhuma ponta solta.

    Tudo o que se propõe a ser, a alcançar, e comover, Baby consegue. A grandeza do filme, através de uma aparente simplicidade, convida o espectador a um local íntimo e caloroso. Sem ignorar a brutalidade e a face obscura das relações humanas, Baby explica, na tela, que o amor pode ser decisão.

    Nesse sentido, a cidade caótica de São Paulo vira um imenso divã, o cenário perfeito para quem deseja dar vasão ao que há dentro de si. O bom e o ruim. O cruel e o amoroso. Sempre acompanhado de quem, apesar dos descaminhos, aparentemente, está indo para o mesmo lugar.

    Filme visto no 26º Festival do Rio em outubro de 2024.

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