Parábola de vida
por Francisco RussoAng Lee é um diretor impressionante, pela diversidade de seus filmes. Este taiwanês de 58 anos já fez trabalhos tão distintos quanto a adaptação de um super-herói dos quadrinhos (Hulk), um drama de forte tensão sexual (Desejo e Perigo), a história de um amor homossexual proibido (O Segredo de Brokeback Mountain) e um típico filme de artes marciais (O Tigre e o Dragão). Pode-se dizer que Lee jamais se repete, transitando em diversos gêneros e estilos com uma habilidade rara de ser encontrada. Em As Aventuras de Pi ele mais uma vez se reinventa e, novamente, obtém sucesso.
Baseado no consagrado livro "A Vida de Pi", de Yann Martel, o longa-metragem impôs desafios técnicos ao diretor. Afinal de contas, como contar uma história onde um jovem divide um bote com um tigre ao longo de boa parte da narrativa? Os óbvios perigos decorrentes deste convívio foram eliminados com uma simples decisão: usar um tigre digital, com o verdadeiro apenas entrando em cena nos momentos em que estaria sozinho. Uma opção que também exigiu um grande apuro nos efeitos especiais, de forma que o tigre digital em momento algum aparentasse ser falso. Este é um dos méritos técnicos do longa-metragem, que impressiona também pela belíssima paisagem que compõe o filme a partir do naufrágio, em sua maioria criada através de computadores.
Entretanto, definir As Aventuras de Pi apenas como um filme belo seria reduzi-lo bastante. Há um forte lado religioso impregnado na história, de início pregando a possibilidade de que alguém possa ser temente a três crenças ao mesmo tempo. "A fé é uma casa de muitos quartos", diz o já adulto Pi em determinado momento. Deixando de lado a crítica indireta de que todas as crenças são, de certa forma, iguais, há um nítido esforço no filme para que nenhuma das religiões citadas seja, de alguma forma, ofendida. Este excesso de politicamente correto prejudica bastante o início do filme, pela obviedade e falta de profundidade com que é tratado o tema. Pi acredita em três religiões e ponto final, sem mais questionamentos.
Diante disto, o início de As Aventuras de Pi é um tanto quanto problemático, se sustentando no lado fantasioso envolvendo a Piscine Molitor e na musicalidade nos movimentos, típica da Índia. O filme apenas engrena de vez a partir dos 20 minutos, quando chega enfim o naufrágio. Não apenas pela excelência dos efeitos especiais, impressionantes, mas pela condução dos fatos até que Pi fique perdido em alto mar ao lado de uma zebra, um orangotango, uma hiena e um tigre de bengala. Todos juntos, em um pequeno bote.
A luta pela sobrevivência sustenta todo o decorrer do filme, baseada em dois pilares: a relação do homem com o animal, e como ela é moldada de acordo com a necessidade de momento, e a própria natureza. É a partir da riqueza destes dois elementos que o filme, pouco a pouco, conquista o espectador, seja pelo inesperado ou pela própria beleza das sequências exibidas. Neste ponto o 3D faz diferença, dando um impacto maior a algumas cenas graças à sensação de profundidade oferecida pelo formato. A questão da religião retorna forte já perto do final, com um desfecho brilhante que deixa o espectador atônito.
As Aventuras de Pi é um belo filme que faz jus à carreira de Ang Lee, seja pela diversidade ou pela ousadia. Dono de uma fotografia deslumbrante, o longa impressiona pela excelência dos efeitos especiais mas tem como maior qualidade sua própria história. Trata-se de um raro caso em que os efeitos servem ao filme, sendo usados para ajudar a contar uma história ao invés de brilharem por si só. Destaque também para o jovem Suraj Sharma, que segura com carisma e competência o papel de Pi quando jovem. Muito bom.