Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Astro Boy

Carências Humanas

por Francisco Russo

Um dos sonhos da humanidade é criar vida à sua imagem e semelhança. Não apenas pela sensação de onipotência, mas também para melhor compreender o que é a vida e o que faz com que ela exista. Não à toa existem tantas pesquisas nos ramos da genética e da robótica. Hoje muito já se faz em ambas as áreas, mas falta a alma, aquilo que dá dimensão à vida humana. Algo que permita que o ser tenha emoções, que sinta e faça sentir, que pense e reaja por conta própria. É curioso notar que, ao longo dos anos, o cinema tem enfocado justamente este tipo de personagem: o robô com sentimentos. De Johnny Cinco a Wall-E, não há meros servos para a espécie humana mas seres vivos, de aço e fios, que possuam um algo mais. Algo que possamos identificar como... humano.

Há muito de humano em Astro Boy. A começar pela criação do personagem, decorrente da tristeza do cientista Tenma por perder seu filho em um acidente no laboratório onde trabalha. Gênio incontestável, Tenma dedica sua vida a recriar o filho nos mínimos detalhes. Para que não corra o risco de ser mais uma vez eliminado, insere nele a mais atual tecnologia de defesa existente. Só que há um detalhe: sua criação não sabe que é um robô. Acredita ser um humano e assim age, devido a uma tentativa desesperada de Tenma para aplacar a culpa que sente. O fracasso é inevitável. Não há como substituir alguém, mesmo com tantos detalhes recriados, pela simples consciência desta perda. Tenma logo percebe isto e manda seu filho embora.

A tristeza muda então de endereço. Sem entender o que está ocorrendo e tendo descoberto recentemente a verdade, o futuro Astro Boy sente-se perdido e sem lugar para ir. A possibilidade de voar, a força colossal e outros poderes recém descobertos o empolgam, mas ele sabe, no fundo, que trocaria tudo pelo carinho paterno. A saudade é um sentimento humano e Astro Boy a sente. Assim como a rejeição e a necessidade de manter-se afastado, por não ser querido por aquele que ama.

Apesar da tristeza ser um sentimento presente no decorrer de toda a história, Astro Boy não é um filme triste. A animação, no início de forma tradicional e depois escancaradamente computadorizada com toques de mangá, é repleta de cores e piadas visuais. O ambiente robótico traz personagens divertidos, como os limpadores de vidros e os integrantes dos Robôs Revolucionários Fanáticos. A própria história é repleta de cenas de aventura, que servem também para atenuar o peso do mote principal. Tudo isto ajuda a fazer de Astro Boy um filme divertido e, ao mesmo tempo, reflexivo. De certa forma, lembra o pouco conhecido e excelente O Gigante de Ferro.

Há ainda algumas subtramas que merecem atenção, como a dependência dos humanos em relação aos robôs e o modo como eles são tratados. Muda-se um pouco os personagens e voltamos à era da escravidão. Ou ainda a disputa política, com o prefeito da suntuosa Metro City usando todos os artifícios para se reeleger, e a "luta revolucionária" em busca de liberdade. Com citações a Leonardo Da Vinci e a Isaac Asimov, através das três leis da robótica, Astro Boy também ensina.

Astro Boy é uma bela homenagem à clássica criação de Osamu Tezuka e também aos heróis japoneses, de certa forma homenageados na batalha final pela destruição de tudo o que cerca os envolvidos. Uma situação típica de seriados e filmes, de Godzilla a Ultraman, que fizeram a alegria de milhões nas últimas décadas. É um filme que agrada tanto aos pequenos - pela ação e personagens carismáticos - quanto aos adultos - pela ideologia por trás de cada ato. Merece ser conferido.