O embate de gerações
por Bruno CarmeloNos quatro primeiros filmes da franquia Rocky, o lutador interpretado por Sylvester Stallone foi visto como um potencial campeão, desde a sua fase amadora, nas duas primeiras produções, até a profissionalização do terceiro e quarto filmes. Agora, a novidade não é mais o oponente ou o cenário em que ocorre a batalha, e sim o tema da franquia: o quinto filme decide debater a questão da transmissão de conhecimento entre gerações, à medida que Rocky envelhece e se aposenta.
Este capítulo transforma sensivelmente a saga. Antes, o objetivo era a vitória ou a superação pessoal (de Rocky, de Apollo), agora, a história questiona o impacto das pessoas umas nas outras. Este é provavelmente o filme mais complexo psicologicamente, mas também o mais novelesco. Acima de tudo, este é o segundo filme dirigido por John G. Avildsen, que havia comandado o primeiro Rocky, em 1976. Ele retorna para resgatar, de modo quase excessivo, a fragilidade emocional do protagonista e a importância da origem pobre do boxeador.
Para isso, cria-se uma reviravolta brusca sobre a perda de dinheiro: de repente, o rico lutador sofre um golpe financeiro, sendo obrigado a retornar à velha casa com sua amada Adrian (Talia Shire). Pode ser uma mudança pouco convincente em termos narrativos, mas é ótima para a dinâmica de Rocky como um todo. Avildsen torna a história nostálgica e triste novamente, filmando várias cenas noturnas e azuladas, relembrando os personagens falecidos em flashbacks, apresentando uma sequência com todas as feridas acumuladas pelo boxeador ao longo dos anos. Rocky V assume a clara missão de avaliar toda a jornada do personagem como se o boxeador estivesse no divã.
A questão terapêutica surge com a nossa função do personagem: pela primeira vez, Rocky torna-se treinador de outro azarão. Tommy Gunn (Tommy Morrison) é bronco, agressivo e talentoso como o jovem Rocky, e neste sentido, o lutador enxerga no garoto uma metáfora de si mesmo. Ao mesmo tempo, negligencia o filho biológico, sem vocação para o esporte. A questão paterna é bem trabalhada na história, que não vilaniza nenhum personagem. Os três homens são frágeis, ciumentos, em busca de amor exclusivo e incondicional.
A luta tão esperada representa a superação do complexo de Édipo: Tommy é obrigado a simbolicamente atacar o pai para se tornar independente. Por um lado, esta é a luta mais importante da saga, porque opõe o criador à criatura, como se Rocky estivesse lutando contra si mesmo, mais novo. Por outro lado, muitos fãs ficaram frustrados por não encontrar uma disputa oficial, nos ringues, como em todas as outras produções. O combate ocorre na rua, diante de todos, de modo informal. Rocky V está tão empenhado em retomar o aspecto amador e cru do esporte que abandona o cenário esportivo, quase obrigatório num filme sobre boxe.
O resultado foi um fiasco de bilheteria e crítica, além de ter sido indicado a uma porção de prêmios Framboesa de Ouro, que recompensam os piores do ano. O público não aceitou uma transformação tão radical na saga, nem a perda do humor pop. Mas Rocky V é voluntariamente um feel bad movie, uma bela guinada rumo aos aspectos mais dramáticos que funcionaram tão bem no primeiro Rocky, e que abriram as vias para as duas boas produções que seguiram.