Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
O Aprendiz

Com um Sebastian Stan repugnante como nunca, O Aprendiz é um filme que Donald Trump não gostará de assistir

por Nathalia Jesus

Conforme O Aprendiz foi ganhando mais espaço em publicações de cultura e cinema, não houve indiferença e muitos questionamentos surgiram. Afinal, por que lançar um filme biográfico sobre a trajetória de Donald Trump, uma figura controversa desde o início de sua vida pública até o dramático fim de seu mandato como presidente dos Estados Unidos, às vésperas das eleições? Para uma parte do público, obras como essa soam, automaticamente, como uma espécie de “publicidade” à imagem da pessoa retratada. No entanto, esse não parece um longa-metragem que entrará na lista de favoritos do atual candidato à presidência.

O diretor do filme é Ali Abbasi, um cineasta iraniano que, ao longo de sua carreira, tem retratado monstros nas telas, com produções como Holy Spider, Border e The Last of Us em seu currículo. Contudo, O Aprendiz, com roteiro de Gabriel Sherman (Independence Day: O Ressurgimento), não é exatamente uma desumanização de Donald Trump — inclusive, na primeira hora, é até possível sentir certa empatia por ele, que parece mais fraco e minúsculo do que o normal.

O longa-metragem é ambientado entre os anos 70 e 80 e acompanha a ascensão de Donald Trump, interpretado por Sebastian Stan, no mercado imobiliário. O que começa com o desejo que transformar Nova York em uma cidade gloriosa, se torna uma obsessão para que ele próprio se torne o assunto principal entre a alta burguesia estadunidense. Para isso, ele conta com a ajuda de Roy Cohn (Jeremy Strong), um impiedoso advogado cujas regras principais são: atacar, negar todas as acusações e nunca aceitar a derrota.

É inegável que tal filosofia se reflete no comportamento de Donald Trump enquanto presidente, mas o filme não trata necessariamente das consequências do cenário político estadunidense, e, sim, da causa. A estrutura que fomentou a persona de Trump, fortalecida por um homem que tinha os tribunais e os figurões da cidade nas mãos, é o recorte que mais nos interessa em O Aprendiz. Os fatores que determinam em que mãos estarão o poder são muito anteriores aos votos nas urnas eleitorais.

Sebastian Stan e Jeremy Strong vivem um conto meio Pinky e Cérebro em Nova York

A primeira versão de Donald Trump que temos em O Aprendiz é a de um jovem ingênuo, sonhador, desacreditado pelo pai e com cara de coitado. Não demora muito até que ele conheça Roy Cohn e comece a se espelhar nele com a admiração de um caçula por seu irmão mais velho, ganhando confiança o suficiente para, depois, descartá-lo. De qualquer forma, o advogado não é uma pessoa da qual você sentirá pena.

No filme, Jeremy Strong encarna um personagem mais odiável que seu Kendall Roy — inclusive, por alguns momentos, sua interpretação de Roy Cohn quase nos traz lembranças do personagem de Succession. Quando ele finalmente consegue imprimir o tipo de homem poderoso que odeia cumprir leis e ser visto como vítima, não sorri com os olhos e é indiferente ao fato de gostarem dele ou não, e é aí que sua atuação ganha vida.

Já a interpretação de Donald Trump intriga do início ao fim; navegando no limite entre Sebastian Stan e uma sátira do Zorra Total, mas conseguindo se equilibrar conforme a narrativa caminha. Para quem esperava total canastrice, o resultado foi surpreendente. É muito natural ver o político se tornando o Trump que conhecemos: a atuação de Stan vai aderindo gradativamente aos maneirismos do ex-presidente, incluindo o biquinho durante as falas, conforme sua vaidade social e física aumenta.

A maquiagem e o figurino complementam esse trabalho ao não fazer dele uma nítida caricatura, apostando até mesmo em um comedido tom laranja — um mais natural que o Trump da vida real — para não torná-lo uma piada explícita. Sebastian Stan está repugnante, ao ponto de torcermos o rosto com aversão ao vê-lo em cenas de flerte (ou até as minimamente românticas). É fácil esquecer que é ele ali.

Ao longo do filme, a dinâmica dessa dupla, que já era uma tragédia anunciada, se intensifica conforme Donald Trump vai sugando todos os aprendizados vis de seu mentor. O mais interessante é que o longa-metragem, apesar de seu título, não tenta colocar o político como uma figura passiva e influenciada por Cohn — a começar pelo fato de que a história já começa com Trump sendo processado por impedir que pessoas pretas aluguem casas em seu prédio. Ele já é problemático antes de se conectar com Cohn. A história é muito mais sobre um homem pequeno que recebeu poder nas mãos e mostrou o seu verdadeiro eu.

O Aprendiz conhece seus limites e prende a atenção do espectador

Obras biográficas podem ser um tiro no pé do realizador (e, principalmente, do espectador) se não houver uma seleção cuidadosa dos acontecimentos expostos em um período delimitado de tempo. E, por cuidadosa, também me refiro a momentos que, historicamente, podem não ser tão interessantes, mas que dão algum contexto sobre o retratado. É o caso de cenas gráficas de cirurgias plásticas na cabeça de Donald Trump, ou as de bronzeamentos artificiais de Roy Cohn, que adicionam alguma humanidade em figuras tão performativas publicamente.

Uma das grandes qualidades de O Aprendiz é saber a hora de parar. Todos nós sabemos que Donald Trump se tornou presidente dos Estados Unidos — rolam até conversas engraçadinhas em torno do cenário político do país —, e o filme é muito objetivo com a época que pretendem retratar e o tipo de recorte proposto. Sem tentar agarrar o mundo inteiro com duas mãos, a história é, sim, sobre Trump. No entanto, também é um longa-metragem que faz questão de apresentar enfaticamente parte de uma dinastia falha que se renova com novos rostos, mas se mantém a partir dos mesmos ideais, que apresenta contradições e fraquezas sustentadas por meio de relacionamentos superficiais entre os poderosos.

Trazendo à tona polêmicas em torno do relacionamento de Donald com sua primeira esposa, a tcheca Ivana Trump, interpretada por Maria Bakalova, com passagens por seu contexto familiar e visão de negócios, O Aprendiz provavelmente não será o filme favorito do ex-presidente dos Estados Unidos e nem de seus apoiadores. Quanto às acusações de Donald Trump sobre o longa-metragem potencialmente minar sua atual candidatura e “sensacionalizar mentiras já desmascaradas”, também não é para tanto: não há nada realmente surpreendente no comportamento atribuído a ele na trama.

*O AdoroCinema assistiu ao filme no Festival do Rio 2024